A qualidade de uma peça estampada pelo processo de conformação de chapas é diretamente ligada à tribologia e às condições de atrito que atuam no processo.
As condições de atrito são dependentes do material da chapa, material da ferramenta, lubrificante, rugosidade das superfícies, forças normais, velocidade de deformação entre outros. Esta combinação de fatores é conhecida como sistema tribológico.
A tribologia é definida como a ciência e a tecnologia de interação entre superfícies com movimento relativo entre si e dos fenômenos dela recorrente segundo Jost, 1966, relatando ainda que é algo que está presente em praticamente todas interfaces onde acontecem movimentos, inclusive no contato do ar contra a superfície de um automóvel em movimento.
Estudos recentes indicam que os custos associados ao atrito representam cerca de 5% do valor final de produção da peça. Em 1966, Jost relatou que a tribologia engloba várias áreas, como a química, física, mecânica dos sólidos, transferência de calor, ciência dos materiais dentre outros.
A literatura afirma ainda que o estudo da tribologia é essencial tanto por razões econômicas como por razões ambientais e cita que, em torno de 10% do consumo mundial de petróleo é utilizado para superar o atrito. Holmberg et al., 2017 realizaram um estudo para avaliar a influência da tribologia no consumo de energia, custos e emissões a nível global.
O estudo englobou os setores de transporte, indústrias, residências e prestação de serviços. Eles concluíram que 23% do consumo global de energia é originado em contatos tribológicos, sendo que, 20% é usado para superar o atrito e 3% para fabricação de novos componentes para substituir os desgastados. Relatam ainda que, com novas tecnologias em tratamentos superficiais, materiais e lubrificantes será possível reduzir o consumo de energia com as perdas relacionadas ao atrito em 40% num período de 15 anos e 18% em 8 anos.
Os primeiros modelos numéricos de atrito começaram a ser estudados na década de 1980, quando Bin e Luo, 1988 aplicaram o método dos elementos finitos no seu estudo para prever a distribuição de tensão e atrito aparente, provando ainda a existência dos fenômenos através de experimentos. Hol et al., 2015 apresentaram um modelo de atrito para utilização em larga escala no âmbito de simulações de conformação baseado nas mudanças micrométricas da superfície.
Atualmente, softwares propõem uma nova tecnologia para simular as condições
tribológicas em um processo de conformação, atribuindo parâmetros para as
ferramentas, material da chapa e do lubrificante, gerando assim superfícies
mais realísticas. A partir do movimento relativo e interação entre estas
superfícies, ocorre a deformação das asperezas e obtém-se os coeficientes de
atrito para utilização em softwares de simulação de conformação.
Dentro do contexto apresentado, o
objetivo deste trabalho é levar à discussão alguns trabalhos desenvolvidos no
departamento de P&D da Bruning Tecnometal com objetivo de preencher uma
lacuna relacionada ao atrito na simulação, trazendo à tona modelos tribológicos
mais realísticos e, portanto, complexos.
1. MATERIAIS E MÉTODOS
1.1
Caracterização do sistema
tribológico
Neste estudo, o material
da ferramenta utilizado para a simulação do sistema tribológico foi o aço AISI
D2 temperado e revenido, com uma dureza aproximada de 59 ±1 HRC, de composição
conforme Tabela 1. A ferramenta foi polida manualmente e tratada com
revestimento de CrAlN, sendo este muito utilizado em ferramentas de
conformação. A chapa utilizada na simulação numérica foi um aço da classe CR4
laminado a frio e galvanizado a quente, com diâmetro inicial de 160 mm e 0,65
mm de espessura, de geometria final ilustrada na Figura 1.
Para a caracterização mecânica deste material,
foi utilizado o corpo de prova n° 5 da norma JIS Z 2201:1998. Na Tabela 2,
observa-se os resultados obtidos do ensaio de tração nas três direções em
relação ao sentido de laminação da chapa: 0°, 45° e 90°.
Assim como as
propriedades mecânicas, foi necessário caracterizar as superfícies da chapa/
ferramenta para utilizar como dado entrada na simulação do sistema tribológico.
Para tanto, estudos anteriores desenvolvidos na Bruning Tecnometal encontraram
valores médios de rugosidade da ferramenta de 1,3 µm com desvio padrão de 0,04
µm, e rugosidade da chapa de 1,6 μm com desvio padrão de 0,09 μm. Karapannasamy et al., 2014 utilizaram uma
rugosidade superficial de 0,08 μm para uma ferramenta lapidada e Hol et al., 2016 obtiveram em seus
experimentos rugosidade de 1,35 µm para uma chapa galvanizada a quente. Portanto,
definiu-se uma rugosidade fixa de ferramenta em 1,3 μm.
Hol et al., 2016 utilizaram quantidades
de 0,5 g/m² e 1,2 g/m² em um ensaio de atrito do tipo tracionamento de tiras
enquanto que, Sigvant et al, 2018,
utilizaram 2 g/m² em um estudo de caso envolvendo componentes automotivos
estampados realizando assim, uma avaliação numérica e experimental. Hol et al., 2017 utilizaram quantidades
de 0,6 g/m² e 2 g/m² em cada lado da chapa analisando a influência da quantidade
de lubrificante na qualidade final do produto.
Utilizando as
referências citadas anteriormente, foram adotadas as quantidades de 0,5 g/m²,
1,2 g/m² e 2 g/m² de lubrificante para simulação nos estudos de caso.
2.2 Planejamento do experimento
O estudo contempla uma rugosidade
superficial da chapa fixa em 1,6 μm para todos os estudos de caso e rugosidade
superficial de ferramenta de 1,3 μm. Foram definidas três classes de lubrificação
do sistema, conforme detalhado na Tabela 4. Além das três condições estudadas,
utilizou-se ainda o coeficiente de Coulomb constante de 0,15 para fins de
comparação.
As análises numéricas empregadas neste estudo de caso foram realizadas utilizando o software Triboform® em combinação com o Autoform®. Por fim, a metodologia e o sistema tribológico simulado seguiu o fluxograma da Figura 3.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados da simulação avaliados nesse estudo foram o coeficiente de
atrito e lubrificação do sistema, e a influência da interação destes fatores no
sistema tribológico. A Figura 4 contém os modelos tribológicos dos estudos de
caso #01, #02 e #03, onde a rugosidade da ferramenta é igual a 1,3 μm e a
rugosidade da chapa é igual a 1,6 μm. Os três modelos são diferenciados pela
quantidade de lubrificante utilizado em cada caso, sendo 0,5 g/m², 1,2 g/m² e 2
g/m².
Pode se observar que para estes casos, há uma variação no coeficiente de
atrito entre 0,01 e 0,25. Essa variação é expressiva se tratando de um processo
de conformação. O fator de maior impacto no atrito nestas três condições é a
pressão de contato, ao contrário da velocidade, que influenciará muito pouco
nos resultados finais deste estudo. Os resultados obtidos na simulação foram
compilados e são apresentados na Tabela 5.
Através dos resultados da Tabela 5 pode-se concluir que, quanto maior a lubrificação do sistema, menor foi a força máxima do punção, menor o afinamento obtido e, consequentemente, maior a espessura final. Pode-se verificar também que, com o aumento da lubrificação, há uma menor restrição na corrida do material, resultando em fluxo maior de material.
Com relação ao
coeficiente de atrito obtido nos modelos simulados, observamos os resultados
dos casos #01 (a), #02 (b) e #03 (c) na Figura 5, onde o coeficiente de atrito
no quadrante do raio apresentou resultados na faixa de 0,03 nas três peças,
porém, houve um acréscimo significativo nas regiões de flange e parede lateral,
ficando em 0,25.
O coeficiente de atrito possui uma relação
direta com a pressão de contato, sendo que, quanto mais alta a pressão, menor é
o atrito. Na Figura 6, podemos observar que as regiões com as maiores pressões
estão localizados nos raios de entrada da matriz e nos raios do punção.
Conforme os gráficos da Figura 6, podemos observar que a quantidade de lubrificação influenciou positivamente na redução da força necessária no punção, porém teve pouca influência na espessura final e afinamento, especialmente se comparada com o atrito de Coulomb constante em 0,15.
CONCLUSÕES
Através do presente trabalho, pode-se concluir que, dentre as três condições de lubrificação estudadas para a simulação do processo de conformação, a quantidade de lubrificante de 2 g/m2 foi a que resultou em uma menor força de conformação. Regiões com maiores pressões de contato foram localizados nos raios de dobra da matriz, e resultaram nos menores valores de coeficiente de atrito. Adicionalmente, para todos casos estudados, observa-se que há diferença nos resultados de força entre o modelo de Coulomb para com os modelos tribológicos.
AGRADECIMENTOS
Este
trabalho contou com o apoio da Triboform e Autoform, de forma que os autores
agradecem pela parceria e pela colaboração para a realização do estudo.
Co-autores
Rogério José Marczak - rato@mecanica.ufrgs.br
Diego Tolotti
Daniela Bertol
Angélica Paola de Oliveira Lopes
Ilton Dessbesell - ilton@bruning.com.br
Tags
tribologiaferramentamateriais softwares simulaçãoconformaçãoCompartilhe
Ibson Ivan Härter
Engenheiro Mecânico pela UNIJUI e Mestre em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/PROMEC). Responsável pelas simulações de itens estampados, atuando como Especialista em simulação de ferramentas na Bruning Tecnometal Ltda., Panambi/RS.