Simulação numérica Investigação Experimental Processo Estampagem quente em chapas de grande expessura

As novas exigências de segurança veicular implementadas mundialmente, tornaram inevitáveis a introdução de aços de alta resistência no meio industrial.  

Esse fato, somado à necessidade de redução da massa dos veículos, fizeram da solução “reduzir espessura + aumentar resistência” das chapas um caminho sem volta. Novas ligas de aço foram criadas para fazer frente aos novos desafios e várias já entraram para o mix padrão das indústrias automotivas. Dentre eles, os aços temperáveis representam uma situação bastante especifica devido à necessidade radical de adaptação ou provisão de meios necessários à produção. Equipamentos como prensas e ferramental precisam ser radicalmente modificados, além da necessidade de novos elementos como fornos, sistemas de refrigeração e manipulação. 

Todos esses elementos devem funcionar em harmonia para que seja possível obter a geometria e as propriedades desejadas na peça final. Segundo Karbasian e Tekkaya, para ter sucesso é preciso reunir profundo conhecimento em todas os fenômenos envolvidos: térmicos, mecânicos, micro estruturais e tecnológicos.

No processo de estampagem a quente direto a chapa de um material como a liga 22MnB5 é aquecida a temperatura em torno de 950 °C, ou até atingir completa austenitização, e logo após é colocada em uma ferramenta refrigerada para conformação e têmpera praticamente simultâneos. Vantagens obtidas com o processo são: altíssima resistência mecânica da peça final e baixo retorno elástico após o processo. A resistência mecânica da chapa salta de ~340 MPa para até 1500 MPa, um fator de aproximadamente 4, o que vem ao encontro das necessidades do mercado atual.

O uso de elementos finitos para simular processos de estampagem a quente requer um modelamento preciso dos fenômenos térmicos que acontecem durante a conformação e o resfriamento. Considerando o fenômeno da transferência de calor do blank para uma ferramenta refrigerada podemos afirmar que o calor dissipado pelo blank é igual ao calor absorvido pela ferramenta.

Dentro do contexto apresentado, o objetivo deste trabalho é levar à discussão alguns trabalhos desenvolvidos no departamento de P&D da Bruning Tecnometal com objetivo de dominar a técnica de fabricação por estampagem a quente em chapas com 7,00mm de espessura da liga 22MnB5+Nb+Mo. Modelos analíticos, numéricos e experimental constituem a base do trabalho desenvolvido.

Materiais e Métodos

Caracterização do Material

Neste estudo, o material utilizado foi o aço para trabalhos a quente 22MnB5+Nb+Mo com 7,00 mm de espessura, as dimensões do corpo de prova são conforme Figura 1 (dimensões em milímetros).


Figura 1 Corpo de Prova de aço 22MnB5 +Nb+Mo

O aço ao boro 22MnB5 é muito utilizado na indústria automotiva pelo seu elevado valor de limite de resistência. A composição química do material pode ser visualizada na Tabela 1.


Tabela 1 – Composição química do aço 22MnB5 + Nb+Mo

Ferramental utilizado no processo de Presshardening

A Figura 2 apresenta de forma esquemática o ferramental projetado e fabricado para o processo de estampagem a quente. A ferramenta consiste de uma matriz e punção com canais de refrigeração.


Figura 2 – Desenho esquemático do ferramental utilizado. 

Para aquisição dos dados de temperatura foram utilizados 3 termopares do tipo K, sendo um termopar no corpo de prova da chapa, um no punção e outro na matriz. Os termopares possuem uma faixa de medição de temperatura que vai de 0°C até 1200°C, o recebimento dos sinais dos termopares foi através de um condicionador de sinais e a leitura se deu pelo software Labview.  

Para a realização deste trabalho foi utilizado uma prensa hidráulica de 100T, modelo TM 100 do fabricante Nowak, um forno tipo mufla para altas temperaturas modelo 3436 do fabricante Formitec, um refrigerador de água (chiller) modelo R134-a do fabricante Maqtermo. Detalhes do aparato utilizado para o teste podem ser visualizados nas Figuras 3.


Figura 3 – Detalhe do aparato utilizado nos testes

Definição dos Parâmetros

É conhecido que para se evitar a formação bainítica e obter uma microestrutura 100% martensítica que é o esperado do processo de estampagem a quente, a taxa de resfriamento deve ser no mínimo de 27°C/s. A taxa de resfriamento pode ser acelerada usando um líquido de arrefecimento com uma baixa temperatura a fim de aumentar a diferença de temperatura entre o refrigerante e a ferramenta.

O tempo de transferência do blank do forno até a prensa deve ser reduzido o máximo possível, pois as perdas de temperatura do blank podem ser superiores a várias dezenas de °C/s, o que permite que a exposição do aço não revestido ao ar atmosférico sob tais condições provoque sua imediata oxidação e descarbonetação, a qual é extremamente dura e promove o desgaste acelerado da matriz de estampagem. Um excessivo tempo de transferência pode também permitir a ocorrência localizada de transformação da austenita em martensita durante a estampagem, conduzindo a uma descontinuidade no comportamento termomecânico do material e a localização de deformações.

Dentro das variáveis do processo citadas acima, a Tabela 2 resume os parâmetros do processo empregados neste estudo.

 

Tabela 2 – Parâmetros do processo de Presshardening

Em uma produção em série, a temperatura do ferramental deve estar abaixo dos 200°C para que seja possível a fabricação de componentes com limite de resistência de aproximadamente 1500 MPa. A este fator foi definido como variáveis deste estudo a temperatura com que o fluido passa pelos canais de refrigeração e a pressão de contato.

Simulação Numérica Computacional

O modelamento termomecânico é um método efetivo para a simulação da estampagem a quente, a interação entre a água de refrigeração e a matriz é igual ao coeficiente de transferência de calor na interface (IHTC – Interface heat transfer coeficient). A interface numérica computacional baseada em malha, foi obtida através do software ANSYS.

O  modelo físico que representa as ferramentas e o corpo de prova está mostrado na Figura 4. Foram considerados o punção, matriz, o corpo de prova, canais de água e o ar do meio circunvizinho. O ar foi representado como mostrado na Figura 4, como um domínio de dimensões 350 mm x 275 mm x 307 mm, fazendo interface com os domínios sólidos do modelo. A interface entre o ar e os canais de água foi considerada adiabática. A temperatura ambiente do ar foi considerada 25 °C.


Figura 4 – Modelo físico do punção, peça, matriz circundando por ar (esquerda) detalhe da malha da simulação (direita).

A simulação termomecânica aumenta consideravelmente a complexidade do modelo. Além dos parâmetros que são necessários para a simulação do processo convencional de estampagem, diversos outros parâmetros de processo, contato e materiais precisam ser adicionalmente considerados. Consequentemente, um modelo realístico para a simulação simultânea de estampagem e resfriamento deve considerar as interações entre os processos mecânicos e térmicos.

Resultados

Inspeção Visual

Após a realização dos ensaios, as superfícies das amostras foram inspecionadas visualmente. As mesmas podem ser visualizadas na Figura 5.


Figura 5 – Vista de topo das superfícies dos corpos de prova após processo de presshardening.

As amostras apresentaram, logo após o ensaio, uma camada fina e dura de óxido resultante da descarbonetação da superfície a elevadas temperaturas. Isto se deve à inexistência de revestimento de proteção das amostras ensaiadas.

Evolução da Temperatura

Perfis de temperatura e taxa de resfriamento

Os dados de temperatura adquiridos pelo sistema de aquisição de dados são plotados como perfis de temperatura do blank, matriz e punção em relação ao tempo de resfriamento. O cálculo da taxa de resfriamento foi realizado subtraindo o valor de temperatura do momento em que o corpo de prova foi posicionado sobre a matriz pela temperatura de início de formação da martensita (T=430°C). O valor da subtração foi dividido pelo tempo (em segundos) nesse intervalo. Desta forma, a velocidade de resfriamento deve ser no mínimo 27°C/s. Está velocidade crítica de resfriamento permite obter uma microestrutura final inteiramente martensítica. Os perfis de temperatura e a taxa de resfriamento obtidos nos ensaios são apresentados na Figura 6.

 

Figura 6 – Perfil de temperatura e taxa de resfriamento.

Como pode ser observado na Figura 6, a taxa de resfriamento está acima dos 27°C/s. Assim, podemos predizer que para a velocidade de resfriamento superior a 27°C/s, como é o caso deste estudo, a microestrutura final será composta essencialmente por martensita. 

Segundo Souza se o processo não tiver capacidade para impor uma baixa temperatura de resfriamento da água nos canais de refrigeração, é plausível aumentar a pressão de contato para que se possa ter a mesma taxa de resfriamento. 

Novamente podemos afirmar que a taxa de resfriamento é mais acentuada com pressões maiores. Deste modo, pode-se concluir que, se o processo não tiver capacidade para impor uma baixa temperatura de resfriamento da água da matriz, é plausível aumentar a pressão de contato para que se possa ter a mesma taxa de resfriamento, ou vice-versa.

Avaliação Microestrutural

Para as análises metalográficas dos corpos de prova foi utilizado um microscópio ótico marca Leica, modelo DM 2700M. Os corpos de prova foram embutidos em resina termofixa, lixamento e polimento. Para revelar a microestrutura foi realizado ataque com reativo nital 4%. Para o ciclo de austenitização que os corpos de prova foram submetidos de 950°C e 5 minutos, buscou-se obter uma microestrutura completamente austenítica e, consequentemente, uma microestrutura final composta majoritariamente por martensita.  Os resultados destas análises são apresentados nas Figuras 7 e 8.


Figura 7 – Micrografias em MO detalhando microestrutura observada na região do punção. À esquerda junto à superfície.


Figura 8 – Micrografias em MO detalhando microestrutura observada na região da matriz. À esquerda junto à superfície

Como pode ser visualizado nas Figura 7 e 8, as amostras apresentaram uma microestrutura refinada e composta por martensita de um aço submetido à estampagem a quente, mais a têmpera, uma vez que os grãos aparecem distorcidos, sendo difícil a identificação dos contornos de grão. Não foi observado diferença microestrutural entre as regiões do centro das amostras e àquelas próximas ao punção e matriz. A superfície externa, tanto junto à matriz como junto ao punção apresentaram uma camada descarbonetada variando entre 80 e 100 µm.

Avaliação Simulação Numérica Computacional

Os resultados da simulação numérica são apresentados em forma de gráficos. No punção foram avaliados três pontos, sendo 1 ponto na superfície, 1 ponto localizado a 2 mm de distância da superfície e o terceiro ponto a 2mm da superfície. No corpo de prova o ponto está localizado a meia espessura (3,5mm) e na matriz encontra-se a 2 mm da superfície. A Figura 9 apresenta os pontos analisados, sendo todos localizados no eixo central do conjunto.


Figura 9 – Desenho esquemático da localização dos pontos para avaliação da temperatura. 


Figura 10 – Perfil de temperatura e taxa de resfriamento.

A Figura 10 ilustra a evolução da temperatura do blank e no interior da matriz e punção com os parâmetros obtidos no processo de calibração do modelo experimental de transferência de calor, onde observa-se que as curvas obtidas na simulação decrescem da mesma forma que as curvas do modelo experimental, o que de fato descrevem corretamente a evolução da temperatura experimental para todo o tempo de análise, particularmente para a região de maior interesse que é o início da transformação martensítica (~ 430°C).

Conclusões

  • Neste presente estudo, chapas de aço 22MnB5+Nb+Mo com 7,00mm de espessura foram testadas no processo de estampagem a quente. Análise e comparação do comportamento térmico, simulação e microestrutura das amostras ensaiadas, possibilitaram as seguintes conclusões:

  • · Comprovou-se pela análise metalográfica que a microestrutura martensítica foi obtida de forma homogênea, não havendo diferença entre a região do corpo de prova em contato com o punção e matriz.

  • · Através de um adequado projeto da ferramenta de conformação, mais especificamente dos dutos de refrigeração de água e a temperatura da água, podemos predizer a cinética de transformação de fases, uma vez que pela literatura sabemos que a velocidade de resfriamento deve ser no mínimo de 27°C/s, esta velocidade crítica de resfriamento permite obter uma microestrutura final inteiramente martensítica.

  • · A validação numérica do modelo de elementos finitos do processo de estampagem a quente foi apresentada, através da comparação dos resultados da simulação com resultados experimentais, corpos de prova do aço 22MnB5+Nb+Mo foram ensaiados e os dados obtidos foram comparados com os resultados numéricos, onde concluiu-se que os resultados são similares, mostrando que a simulação é capaz de prever corretamente o comportamento do material durante a operação de estampagem a quente.

  • · Por fim, a falta de revestimento em chapas de grande espessura nos aços conformados a quente é um ponto de atenção, pois acarreta na oxidação da superfície do blank, causando um desgaste prematuro do ferramental.
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Diego Tolotti de Almeida

Engenheiro Mecânico pela UNIJUI - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Mestre em Ciência e Tecnologia dos Materiais pela UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul com ênfase no Processo de Soldagem por Fricção.