O orçamento empresarial é a tradução do planejamento estratégico da empresa em números. Por isso, o planejamento financeiro precisa estar perfeitamente alinhado a sua estratégia. Antes de qualquer coisa, é preciso estabelecer quais são as metas e objetivos do período e então montar um planejamento estratégico, tático e operacional para alcançar estas metas e objetivos. Depois disto, quantificar quais serão as receitas, custos, despesas e investimentos necessários para colocar os planos em prática, obtendo assim o orçamento empresarial para o período planejado.
Simples, não é mesmo? Mas na prática, muitas vezes não é bem isto acabamos vendo. É comum encontrar empresas com uma gestão orçamentária completamente desalinhada ao planejamento estratégico, gerando problemas com sérias consequências, como um planejamento estratégico que não é colocado em prática ou mesmo um orçamento empresarial inchado, cheio de gastos e despesas supérfluas.
É nesta hora que o Orçamento Base Zero (OBZ) surge como uma das metodologias mais adequadas para lidar e endereçar cada uma destas dificuldades. O OBZ é uma ferramenta estratégica utilizada pelas empresas na elaboração do planejamento orçamentário para um determinado período a partir de uma base zerada, ou seja, sem levar em consideração as receitas, custos, despesas e investimentos de exercícios anteriores (a famosa base histórica).
A metodologia parte do princípio de que muitas empresas, ao elaborar seu orçamento de forma convencional, consideram que todos os gastos do último exercício serão novamente necessários e que todas as metas de receitas serão alcançadas, o que não é obrigatoriamente uma verdade. Isto acaba gerando um orçamento inchado e desalinhado com a estratégia, pois os números não são analisados de forma detalhada e cuidadosa.
Para combater este problema, no OBZ são analisadas premissas relacionadas com a função de cada receita, despesas, custo ou investimento, levando em consideração os planos e necessidades estratégicas da empresa, sem a utilização de bases históricas ou índices de reajuste, como é feito no modelo tradicional. Só a partir daí são estabelecidas as bases orçamentárias.
A tabela 1 apresenta o comparativo entre as duas metodologias (tradicional e OBZ), identificando as principais diferenças.
Tabela 1 - Comparativo entre orçamento tradicional e base zero [Fonte: Moojen, Guilherme. Orçamento base zero. Revista Brasileira de Contabilidade, ano XI, Nº 39, outubro/dezembro 1981]
Vantagens do OBZ
Uma das maiores vantagens na utilização do OBZ está na fácil identificação de despesas e custos supérfluos em empresas que se baseiam no histórico. Por ter que realizar o orçamento do zero, o gestor é obrigado a analisar cada custo e despesa detalhadamente, eliminando o que não é necessário e liberando orçamento para investir em outros pontos que poderiam passar despercebidos.
Além disto, o Orçamento Base Zero gera uma enorme ampliação da visão estratégica de todos os gestores na organização, afinal, cada um precisará entender quais são os planos macro da empresa para elaborar seus planos departamentais e identificar os recursos (orçamento) que precisará para colocar estes planos em prática.
Outras vantagens e benefícios gerados pela metodologia para sua empresa são:
• Permite alocação dos recursos de maneira muito mais eficiente;
• Auxilia na detecção de orçamentos inflados;
• Elimina processos que não agregam valor;
• Aumenta a motivação dos gestores ao dar maior autonomia e responsabilidade pela tomada de decisões e;
• Melhora a comunicação e coordenação dentro da organização.
Desvantagens do OBZ
Por se tratar de uma ferramenta estratégica, o lado negativo desta metodologia é que o processo acaba demandando maior envolvimento de todos os gestores de departamentos na empresa. Isto é ótimo pela visão holística que proporciona, porém gera a necessidade de maior dedicação de tempo de todos colaboradores para a elaboração do orçamento.
O OBZ também obriga toda a empresa, tanto a área de planejamento e controladoria, quanto os gestores de departamento, a sair da zona de conforto. Dependendo da empresa, isto pode gerar uma série de conflitos e vários desafios para vencer as barreiras culturais vigentes.
De forma resumida, os principais desafios na realização do Orçamento Base Zero são:
• Maior consumo de tempo do que orçamento tradicional;
• Leva os gestores a pensar sobre (e justificar) cada item do orçamento;
• Necessário treinamento específico dos gestores;
• Requer maior nível de honestidade por parte dos gestores e confiança por parte da direção e;
• Em uma organização de maior porte, sem uma ferramenta adequada de gestão orçamentária, o processo envolvendo muitos gestores e enormes quantidades de informações, pode ser bastante desafiador.
Aplicação do OBZ
No processo de Orçamento Base Zero a intenção é reexaminar todas as atividades e prioridades, considerando os recursos financeiros a partir da estaca “zero” ao iniciar um novo exercício financeiro. Os gestores devem apresentar justificativas para a apropriação dos recursos, considerando o custo/benefício ou a análise evolutiva dos fatos geradores. Cinco perguntas-chave devem ser necessariamente respondidas ao proceder ao OBZ: O que gastar? Quanto gastar? Como gastar? Onde gastar? Por que gastar?
Um erro muito comum é acreditar que o OBZ se aplica apenas aos gastos e despesas. Muito pelo contrário, a metodologia pode ser útil e gerar grandes ganhos em qualquer etapa da gestão orçamentária, como, por exemplo:
• Projeção de vendas: na hora de realizar o orçamento de vendas para o próximo período é comum que a gestor comercial apenas replique os resultados do último ano, aplicando um percentual de crescimento. Este é um erro que impede a análise mais detalhada dos canais de distribuição que a empresa atua, deixando passar oportunidades de abrir novos canais ou mesmo descontinuar canais que não estejam desempenhando bem. O mesmo vale para os produtos comercializados, que podem estar gerando margens ruins e até mesmo perder oportunidades de incrementar a linha de produtos com itens mais rentáveis e alinhados com a demanda do mercado;
• Projeção de deduções de vendas: aqui vale a análise detalhada dos impostos pagos, verificando se não é viável/vantajoso para a empresa atuar com outro regime tributário ou se existem alternativas para créditos de impostos ou alguma outra forma de reduzir a carga tributária. Também existe espaço para analisar comissões de vendedores, além da análise das devoluções para verificar se não há “inchaços” ou nada que possa ser melhorado. Lembre-se que como estes percentuais são aplicados sobre a receita bruta, qualquer pequena redução percentual pode gerar grande economia em reais;
• Custos variáveis: muitas vezes a empresa monta as fichas técnicas de seus produtos, seleciona alguns fornecedores para as matérias-primas e insumos e nunca mais volta para verificar se existem alternativas para redução dos custos produtivos com a troca de matérias-primas por alternativas mais econômicas e que não reduzam a qualidade do produto final ou mesmo com o aperfeiçoamento do processo produtivo;
• Despesas com pessoal: independente do tamanho ou setor de atuação da empresa, os gastos com pessoal geralmente são uma das despesas mais representativas. E quanto maior a empresa, mais ineficiente vai se tornando a alocação de pessoas. Nestas horas, a aplicação do OBZ pode auxiliar a encontrar lacunas em áreas da empresa que estão com necessidade de pessoal e ao mesmo tempo, funcionários subutilizados. Lembrando que aprimorar a eficiência de gastos com pessoal não significa apenas reduzir o quadro (demitir), mas sim alocar os recursos humanos da empresa de forma mais eficaz, em funções e atividades que gerem maior valor;
• Despesas operacionais: sabe aquele serviço pago todo mês, que ninguém sabe para que serve e nem quem contratou? Este é geralmente um efeito do Orçamento Histórico, que vai replicando despesas de ano para ano e que o Orçamento Base Zero surge como a solução perfeita para os cortes. Afinal, se a despesa for mesmo necessária, logo aparecerá alguém para “reclamá-la” e;
• Investimentos operacionais: o mesmo é válido para as compras de máquinas, equipamentos, móveis, utensílios, etc. As aquisições devem ter um destino específico e os bens adquiridos têm a função de suportar a operação e dar base para o crescimento da empresa. Se os itens não estiverem alinhados com a estratégia, talvez não sejam assim tão necessários.
Quando Utilizar o OBZ
Se você chegou até aqui, temos certeza que uma dúvida que deve estar pairando sobre sua cabeça neste é momento é: “será que devo adotar o Orçamento Base Zero em minha empresa?”. A resposta, como sempre, é: depende.
Em empresas mais novas, não há como fugir do OBZ. Como não há histórico, a única alternativa para realizar o primeiro planejamento orçamentário da empresa é partir de uma base zerada e projetar as receitas, custos, despesas e investimentos com base em seu plano de negócios e estimativas de crescimento.
Já em empresas mais consolidadas, o ideal é realizar uma rodada com o Orçamento Base Zero a cada três ou cinco ciclos orçamentários. Por exemplo, se sua empresa realiza o orçamento de forma anual, uma boa alternativa é a cada dois orçamentos Base Histórico, realizar o terceiro com Base Zero.
Já se a empresa realiza o orçamento semestralmente, uma boa abordagem é realizar uma rodada de Orçamento Base Zero a cada quatro rodadas de Orçamento Base Histórico. Desta forma, conseguimos mesclar os ganhos gerados pelo OBZ, com a facilidade e agilidade de utilizar o histórico dos anos anteriores para dar base ao orçamento.
Mas como tudo na gestão empresarial, não há modelo perfeito. É preciso entender o cenário econômico em que sua empresa está inserida, levando em consideração fatores como a volatilidade do mercado de atuação, velocidade de mudança nas legislações que regem o setor e mesmo a dinâmica de mudanças nos comportamentos dos consumidores de sua empresa, e assim, escolher quando e como utilizar a metodologia, sempre focando em obter os melhores resultados financeiros para a organização.
Dicas Extras para Aplicação do OBZ
A atenção na construção do orçamento vai definir a qualidade e confiabilidade dos resultados obtidos pela empresa. Para tanto, alguns ponto-chave podem e devem ser observados:
• Corte o excesso de peso. A comparação com a mala de viagem é perfeita para entender o OBZ. Se você vai para a praia, para que levar cachecol e luvas? Muitas empresas carregam muitos custos e despesas na bagagem sem necessidade;
• Dá trabalho, mas vale a pena. Realmente o OBZ é uma ferramenta um pouco mais complexa e gera mais trabalho para ser executada adequadamente e só é recomendada para ser aplicada de vez em quando. Mas a lógica do OBZ quando aplicada corretamente ajuda as empresas a serem mais enxutas, ágeis e competitivas;
• As decisões precisam de embasamento. Todas as atividades e custos da empresa devem ser questionados. Mesmo atividades/custos que pareçam essenciais podem ser considerados desnecessários sob uma perspectiva estratégica. No passado, empresas se orgulhavam de ter “sedes próprias” ou “fábricas”. Atualmente, há empresas “virtuais” e uma ampla oferta de terceirização de produção. O desafio de qualquer empresa é manter o padrão de qualidade, sempre buscando os menores custos e despesas possíveis;
• Responsabilidade ao efetuar cortes. A lógica do OBZ deve evitar cortes gerais em uma mesma proporção, algo como “reduzir em 5% as despesas de marketing ”. Em algumas atividades essenciais, as despesas de marketing podem até ser elevadas, enquanto em outras consideradas de baixa prioridade ou desnecessárias, devem ser totalmente eliminadas;
• Busque aconselhamento profissional. Uma opinião externa de um consultor especializado pode ajudar a tornar a empresa mais profissional e enxuta sem perder o foco estratégico;
• Em time que está ganhando, mexe-se, sim. É natural que as empresas pensem em reduzir custos apenas em situações de desespero financeiro. Assim como tendemos a fazer dieta depois de um susto no exame de colesterol, diabetes ou sobre a balança. Mas empresas saudáveis podem se tornar ainda melhores se evitarem despesas supérfluas;
• Não há muitas referências de OBZ para pequenas e médias empresas. Na verdade, não há muitas referências em geral, mas você pode tentar ajustar a lógica apresentada pelos consultores, livros e artigos para a realidade do seu negócio e;
• Aprendendo algumas lições com Lean Startup. OBZ e Lean Startup são dois conceitos muito distintos, mas em um período com tantas incertezas, o empreendedor, principalmente o altamente inovador, pode se beneficiar mais adotando as lógicas do Lean Startup e Orçamento Base Zero em conjunto.
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Gilles B. de Paula
Gilles B. de Paula é CEO da Treasy, a solução completa para Planejamento e Controladoria, que vai desde Orçamento Empresarial até a Gestão de Indicadores de Desempenho.