Material na pior condição não é a melhor opção

A simulação numérica de processos de estampagem tem desempenhado papel decisivo no nível de competitividade das empresas, evitando retrabalhos e perda total de produtos.

No projeto de um componente (de um carro, máquinas domésticas, etc) é necessário ter certeza que o produto será seguro sob condições extremas (acidentes automobilísticos, intempéries climáticas, forças externas excessivas, etc). Da mesma maneira, um processo de conformação de chapa deve também funcionar sob estas condições extremas. 

Um parâmetro muito comum nesse aspecto é o próprio material. O objetivo da engenharia de processos é garantir que o processo de estampagem projetado forneça produtos aceitáveis com cada bobina utilizada em todo o ciclo de vida de produção, mesmo que as propriedades do material em cada bobina não sejam exatamente as mesmas. 

Simulações de elementos finitos convencionais são determinísticas, o que significa que cada simulação é baseada em um código computacional calculando os resultados da simulação em um estado específico, baseado em um único conjunto de parâmetros de entrada. Entretanto, o mundo real é variável, por exemplo, durante a produção em massa cada peça estampada é produzida com condições ligeiramente diferentes. Assim, uma única simulação convencional não pode oferecer uma imagem fiel dos efeitos de todas as variações que ocorrem no mundo real. No entanto, isso é exatamente o que muitas empresas de simulação ainda estão fazendo, que é o "caminho de ontem". 

Por exemplo, propriedades mecânicas do material mostram muitas variações no mundo real – de fornecedor para fornecedor, de lote para lote, de bobina para bobina e de continente para continente. Considerando como o material é produzido, através da fusão em forno, ligas, tratamentos térmicos, operações de laminação, etc, cada etapa de processo impõe novas variações. Assim, uma variação nos parâmetros do material como resistência à tração, tensão de escoamento ou valores de anisotropia  são esperados. Ao desenvolver um processo de estampagem queremos, é claro, garantir que nosso processo seja seguro considerando todas essas possíveis variações. 

A figura 1 abaixo mostra um processo de estampagem projetado da maneira convencional. A simulação utiliza os valores nominais para as propriedades do material, e o resultado mostra um processo seguro. No entanto, algumas combinações das variações permitidas por norma não são seguras na prática, e nestes casos, o processo falharia. Tal processo pode funcionar perfeitamente com uma bobina, mas falhar com outra bobina do mesmo lote ou de outro fornecedor.


Figura 1 - Processo convencional considerando a região de falha

O objetivo da simulação deveria ser projetar um processo robusto, capaz de absorver as variações de propriedades do material. Neste caso a janela de processo iria cobrir todo o espaço de variação dos parâmetros, como mostrado na figura 2.


Figura 2 - Janela de processo recomendada

Há uma boa notícia: as variações permitidas de propriedades mecânicas são bem definidas e padronizadas em normas. Essas informações também são fornecidas pelos fabricantes de materiais e suas classes de metal devem atender as normas estabelecidas na indústria, permitindo assim precisão de primeiro nível no mundo da simulação. 

Por exemplo, se você procurar por um material como o DP600 (HCT600X) você encontrará valores como:

1. Tensão de escoamento : 340-450 MPa ;

2. Tensão de ruptura : 600-650 Mpa.


A variação do coeficiente de encruamento , n, e a variação dos valores de r (que definem a anisotropia) são desconhecidas na maioria dos casos. Normalmente um valor mínimo é fornecido e utilizado na simulação.

A má notícia é que ainda não existe uma definição única de material no “pior caso”. Considerando o projeto do produto, o desempenho final do mesmo deve ser medido sob cargas de serviço ou no crash test , que é o foco principal. Portanto, existe uma definição bem clara do que é o material no pior caso; menos capacidade de resistir a cargas e/ou menor rigidez. 

Já a conformação de chapas metálicas não ocorre em um estado único. É um processo, o que dificulta a definição de valores únicos para os parâmetros do material no pior caso. Esta definição se torna mais difícil ainda quando o usuário recebe as informações do material em uma tabela com faixas de variação tanto para os valores de tensão de escoamento como de ruptura, tornando ele, usuário do software  de simulação, responsável por definir o que seria o material no pior caso, o que não é fácil. 

Se você considerar apenas o repuxo de um copo com eixo simétrico, é até possível definir tais diretrizes: baixo coeficiente de encruamento e baixos valores de r levariam a menores profundidades possíveis de repuxo. No entanto, as geometrias de produtos tecnologicamente relevantes e os processos correspondentes são muito mais complicados, e é muito difícil adivinhar a pior combinação de parâmetros de antemão, pois nem sempre adotar simplesmente os valores mais baixos previstos em norma para os parâmetros que definem o comportamento do material levam à pior condição de conformabilidade da chapa.

Qual a melhor solução?

Avaliar a viabilidade do processo considerando a influência das variações dos parâmetros do material. Desta forma, é possível garantir um processo robusto, uma vez que uma janela de processo é considerada e não apenas um único estado (espessura nominal, tensões de escoamento e ruptura nominais, etc). Idealmente, isso deve funcionar da seguinte maneira:

Definição de variações dos parâmetros de material

Quais parâmetros devem variar e como? 

Qual a proporção desta variação?

Combinação estatística dos parâmetros

Em quais intervalos eu devo variar?

Quantas simulações são necessárias para obter acurácia adequada?

Gerenciamento eficiente das simulações

Como usar minha capacidade de computação efetivamente sem intervenção manual na realização das diversas simulações necessárias para considerar as múltiplas possíveis combinações de parâmetros?

Como posso coletar informações de todas estas simulações de forma a facilitar o manuseio dos dados e seu o arquivamento?

Avaliação inteligente dos resultados

Como posso avaliar os resultados de diversas simulações ao mesmo tempo?

Como verificar a influência das diversas variáveis isoladamente e em conjunto sobre os resultados das simulações?

Como posso apresentar a robustez do processo com valores numéricos ou códigos de cores usando os resultados de diferentes simulações?

A figura 3 demonstra um exemplo de definição das variáveis a serem consideradas na análise da robustez do processo em função das propriedades do material, incluindo a lubrificação da chapa.


Figura 3 - Exemplo de variáveis aplicáveis na simulação

A figura 4 apresenta ferramentas estatísticas disponíveis nos softwares de simulação para a identificação das variáveis mais influentes e a avaliação dos efeitos da variação destas variáveis nos resultados do processo.


Figura 4 - Exemplo de ferramentas estatísticas para previsão de comportamento nos processos de conformação

Esta análise estatística dos dados e campos de variação não é uma tarefa simples, porém torna-se cada vez mais necessária para que a simulação continue se aproximando sempre mais da realidade. A assertividade dos projetos quando se fala em tolerâncias dimensionais e previsão de possíveis defeitos de manufatura ou de qualidade das superfícies é diretamente dependente da capacidade da simulação de absorver estas variações.

Para isso existem poucos softwares disponíveis no mercado capazes de automatizar a preparação e a realização das múltiplas simulações necessárias, integrar diversos cenários de simulação em um único arquivo de pós-processamento e fornecer ferramentas estatísticas completas para a análise dos resultados. 

Em nossos estudos de caso e com a ajuda de um destes softwares, o AutoForm-SigmaPlus, pode-se, em um ambiente virtual, prever antecipadamente tais possíveis problemas e desenvolveu-se processos robustos, não suscetíveis as variações das propriedades mecânicas do material (permitidos por norma). 

Estes recursos de controle das simulações e avaliação de resultados permitem a aplicação dos softwares de simulação de estampagem para a predição acurada da influência dos diversos parâmetros não-controláveis dos materiais nos resultados finais do processo. Isso permite tanto o desenvolvimento de processos robustos desde a sua fase inicial de concepção (antes mesmo de se iniciar o projeto detalhado das ferramentas) como a identificação da causa raiz e da solução mais adequada de problemas de produção ocorrendo com ferramentas já em produção, expandindo de forma considerável a aplicabilidade da própria simulação em si do processo de estampagem.

Essa comprovação é dada por depoimentos de empresas usuárias de sistemas de simulação comerciais. Alper Güner, Engenheiro de Aplicação da AutoForm Dortmund, menciona que usuários por vezes relatam que os resultados da simulação ficam melhores quando usam o pior caso de material em vez das propriedades nominais. 

Este é realmente um sinal de que o conceito de usar um único conjunto de propriedades com os piores valores imaginados para o material deve ser revisado. O objetivo deve ser projetar um processo robusto, com uma janela de processo mais ampla que cubra diferentes variações de propriedades da chapa metálica.


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Cesar Augusto Batalha

Gerente Geral da AutoForm do Brasil e responsável pelo suporte técnico comercial ao mercado Argentino, possui mais de 20 anos de experiência na indústria automobilística tendo atuado nas áreas de Ferramentaria / Estamparia, Armação de Carrocerias, Montagem Final, Pintura, Automação e Robótica. Com o desenvolvimento e implementação de novas tecnologias. Possui formação em mecatrônica, processos de produção mecânica e gestão de projetos. +55 11 4121 1644