Influência da granulometria da areia no ensaio de abrasão para materiais metálicos

O desgaste é um dos fatores que causa a maior parte das falhas e a redução na vida útil de ferramentas, além de resultar em produtos sem qualidade nas condições superficiais. Entre as opções para combater o desgaste dos componentes, está a utilização de materiais de elevada dureza e aplicação de tratamentos superficiais

O desgaste abrasivo é um fenômeno que ocorre quando partículas duras deslizam ou são forçadas contra uma superfície metálica em relação à qual estão em movimento, provocando a remoção do material.

Pesquisadores apontam este tipo de desgaste como sendo o mais comumente encontrado na indústria metal-mecânica. Por isso, identificar materiais que minimizem esta condição é de grande importância para as empresas deste segmento. 

A fim de avaliar quais materiais e revestimentos apresentam boa resistência ao desgaste, utiliza-se o ensaio de abrasão. O processo de desgaste pode ser simulado em laboratório. Para isso alguns equipamentos são utilizados, entre eles, os mais conhecidos são o tribômetro 1 tipo pino-contra- disco (pin-on-disc) e o abrasômetro 2 tipo roda de borracha.

O princípio de funcionamento do equipamento do ensaio de abrasão consiste em desgastar um corpo de prova padronizado, com areia de tamanho de grão e composição controlada. O abrasivo é introduzido entre o corpo de prova e um anel de borracha com dureza conhecida, provocando o riscamento e a remoção de matéria do corpo de prova. Nesse ensaio o corpo de prova é pressionado, por meio de um braço de alavanca com peso especificado, contra a roda de borracha que está girando. 

Enquanto isso, o fluxo de areia arranca material da superfície do corpo de prova, com uma vazão de 300 a 400 g/min. Os corpos de provas são pesados antes e após o ensaio e a perda de massa é determinada. Para possibilitar a comparação entre vários metais, torna-se necessário converter a perda de massa para perda de volume em milímetros cúbicos, devido à grande diferença nas densidades dos materiais.

O ensaio de abrasão é um procedimento-padrão utilizado na indústria metal mecânica para estudar a resistência de um produto a danos e desgastes causados pela abrasão. Várias técnicas são usadas para testes em laboratórios, mas neste estudo dar-se- á ênfase ao ensaio descrito na norma ASTM 3 G65. Existem 5 procedimentos recomendados pela norma para especificar o grau de resistência ao desgaste do material ensaiado, conforme mostra a tabela 1

As partículas do abrasivo apresentam arestas cortantes que causam desgastes mais acentuados que as partículas arredondadas, em função disso, a norma ASTM G65 recomenda o uso de peneiras para que a areia fique com granulometria controlada. Os tamanhos das peneiras variam de 40 a 100 mesh 4 , e possuem aberturas de 425 a 150 µm, sendo que no mínimo 95% da areia deve ser retida pela peneira de 70 mesh (abertura de 212 µm).

  • Na figura 1 é apresentado de forma esquemática o equipamento de ensaio de abrasão.

Figura 1 - Equipamento de ensaio de abrasão



Tabela 1 - Parâmetros do ensaio por roda de borracha e areia seca


  • · Procedimento “A” - É um ensaio relativamente severo, que lista materiais de baixa a extrema resistência abrasiva. Este ensaio é particularmente útil para materiais que variam de média a extrema resistência abrasiva;

    · Procedimento “B” - É uma pequena variação do procedimento “A”. Deve ser usado quando a perda de volume desenvolvida pelo procedimento A exceder a 100 mm3, é indicado para materiais de média e baixa resistência abrasiva;

    · Procedimento “C” - É uma pequena variação do procedimento “A” e deve ser usado em camadas finas;

    · Procedimento “D” - É utilizado em materiais de baixa resistência abrasiva, pois a força atuante sobre o corpo de prova é bem menor (45 N) e;

    · Procedimento “E” - Uma pequena variação do procedimento “B”, recomendado para materiais com média ou baixa resistência abrasiva.

Os principais fatores que afetam o desgaste abrasivo são as características do abrasivo (dureza, tamanho e geometria) e fatores externos que atuam sobre a superfície do componente durante o ensaio (velocidade de deslizamento e força de compressão entre abrasivo e superfície).

O desgaste de um sistema depende do coeficiente de dureza, definido como a razão entre a dureza da superfície desgastada e a dureza da partícula. Com relação ao tamanho do abrasivo, não existe boa relação entre o desgaste abrasivo e o tamanho da partícula abrasiva. O que se observa em geral é que o volume de material removido cresce com o tamanho da partícula.

Com relação à geometria das partículas abrasivas, os materiais de elevada dureza apresentam faces mais agudas (cortantes), ao passo que os dúcteis (moles), apresentam formas mais arredondadas. Sabe-se que as partículas que apresentam arestas cortantes causam desgastes mais acentuados que as partículas arredondadas.. 

Quanto mais agudas forem as arestas das partículas abrasivas, maior será a sua ação abrasiva, e quando aliada ao impacto, ou fortes pressões, estas partículas podem penetrar na superfície de forma mais profunda e, dependendo do ângulo de ataque pode causar a formação de cavaco. A figura 2 exemplifica como isso ocorre para os diferentes formatos de partículas.

Figura 2 - Influência da geometria da partícula abrasiva no desgaste [10]

A influência do tamanho da partícula também pode ser facilmente determinada em ensaios em laboratório. No entanto, um dos problemas que ainda não foi resolvido na tribologia 5 é a caracterização morfológica 6 de partículas abrasivas. Por esta razão, vários estudos têm sido realizados para caracterizá-las e relacionar sua geometria com a habilidade de promover a abrasão. Muitos parâmetros para medição de sua angulosidade têm sido propostos e há um considerável potencial para pesquisas futuras relacionadas com sua aplicabilidade.

É importante observar a velocidade de deslizamento, pois o volume de material removido por abrasão aumenta ligeiramente com a velocidade de deslizamento até 2,5 m/s. Este fato foi atribuído ao aquecimento da superfície provocada pelo atrito das partículas abrasivas, o que provoca uma diminuição das propriedades mecânicas do material.

Outro fator importante é a força de compressão entre o abrasivo e a superfície, pois a perda de material por abrasão é diretamente proporcional ao esforço de compressão entre o abrasivo e a superfície metálica. Isso é válido até um valor crítico de força, que é determinada pela deformação excessiva da superfície metálica, ou então pela instabilidade das partículas abrasivas que passam a fraturar.


Material e Métodos

Para realizar o ensaio de abrasão utilizou-se um abrasômetro tipo Roda de Borracha, conforme a figura 3. Este equipamento foi desenvolvido por alunos da UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul e trabalha de acordo com as indicações estabelecidas pela norma ASTM G65.



Nesse ensaio, a amostra plana é colocada na vertical, tangenciando a roda revestida de borracha, e sobre o corpo de prova é aplicada a carga normal, com o uso de um peso morto sobre o braço de alavanca. Foram utilizados dois corpos de prova retangulares idênticos, de aço H13 7 , com os parâmetros apresentados na figura 4.




A areia é utilizada como material abrasivo e passa por duas etapas de preparação antes de sua utilização no ensaio. São elas: secagem e peneiramento. Estas etapas são de fundamental importância para a confiabilidade do ensaio. A secagem é necessária para a retirada da humidade da areia. Para realização deste estudo, a areia foi colocada em um forno a 110ºC por 1hora. 

O peneiramento garante a uniformidade dos grãos, sendo que a norma ASTM G 65 estabelece que se deva utilizar a areia que fica retida entre as peneiras de 100 e 40 mesh. O equipamento utilizado para o peneiramento consiste de duas peneiras sobrepostas, fixadas em uma estrutura de aço que sofre movimento vibratório contínuo, como mostra a figura 5 abaixo.


Para a execução dos ensaios, os corpos de prova foram limpos com álcool etílico, secos e pesados, em uma balança. Para a quantificação do desgaste é medida a massa da amostra, antes e depois de cada ensaio, a resposta frente ao desgaste é obtida a partir de cálculos estabelecidos pela norma, com os respectivos desvios e erros, através da equação 1.

Equação 1

Onde:

VL = Perda de volume [mm3];

LM = Perda de massa [g] e;          

ρ = Densidade [g/cm3].

O anel de borracha possui dureza de 60 Shore A. A rotação do disco utilizado foi de 200 RPM (rotações por minuto) e o tempo de ensaio de 30 min (ensaio tipo A). A força nominal é de 130 N. Foram ensaiadas três amostras idênticas, e variou-se a areia. Todas foram peneiradas e secas, porém são de fornecedores diferentes.

Após o peneiramento das areias foi realizada a análise da granulometria, por meio de um peneirador com vibração controlada de 2 Hz por 15 minutos. Através da distribuição granulométrica da areia, conforme mostra a figura 6, é possível identificar que as três areias possuem uma distribuição granulométrica muito similar. 

Todas apresentaram granulometria adequada, dentro das especificações da norma. Visando um melhor conhecimento da areia e sua influência nos resultados, foi realizado um ensaio de sedimentação, para identificar impurezas, e foram feitas fotos por microscopia eletrônica de varredura (MEV).

Figura 6 - Distribuição granulométrica das areias A (verde), B (vermelho) e C (azul)

Resultados e Discução 


É possível perceber na figura 7, através de uma análise da morfologia, que a areia utilizada para o ensaio na amostra 1 (areia A) possui grãos com formatos irregulares e pontiagudos.


Figura 7 - Morfologia da areia A, utilizada na amostra 1


Na figura 8 percebe-se uma homogeneidade nos grãos, com formatos arredondados e sem cantos vivos na sua maioria, se comparado com a figura 9.

Figura 8 - Morfologia da areia B, utilizada na amostra 2

Na terceira amostra, a areia possui grãos também com formatos irregulares, conforme mostra a figura 9. Contudo, a grande diferença nos resultados se dá em função dos contaminantes (possivelmente argila), que ficaram aderidos ao grão. Estes contaminantes facilitam o deslizamento do grão, pois desprendem-se com facilidade durante o ensaio e transformam-se em poeira, diminuindo o tamanho do grão.

Figura 9 - Morfologia da areia C, utilizada na amostra 3

Segundo a norma, a coloração da areia escolhida para o ensaio não representa nenhuma influência na abrasão. Todavia, após a identificação de impurezas na areia C através do MEV e análise visual, já que era a única que apresentou uma coloração alaranjada, foi feito um questionamento sobre a porcentagem e influência desses contaminantes. Em razão disso, realizou-se um ensaio de sedimentação, que consiste na separação de diferentes substâncias pela sua densidade. Os resultados estão representados na figura 10.

Figura 10 - Resultado da sedimentação para as areias A, B e C

É possível perceber, pela coloração e pelo indicador, na figura 10-C, a grande quantidade de argila presente nos grãos de areia da amostra C. O fato de apresentarem uma granulometria coerente com a norma acaba omitindo a existência de outra substância, levando à incoerências no resultado final do ensaio. As demais amostras de areia apresentaram nada ou muito pouco de substâncias menos densas, não representando algo significativo para o ensaio.

Analisando os resultados do ensaio de abrasão, apresentados na figura 11, o desgaste do aço H13 foi maior quando o ensaio foi realizado com abrasivo de formato irregular e pontiagudo (Areia A). Por último, comparando-se os efeitos da mudança de abrasivo, nota-se que a perda de volume na terceira amostra (Areia C) é praticamente insignificante, não demonstrando o real desgaste sofrido pelo material em condições de trabalho durante um processo de conformação mecânica.

Figura 11 - Perda volumétrica em mm3 do aço H13 para cada amostra de areia

Na figura 12(a), apresenta-se a superfície do aço H13 ensaiado com abrasivo de formato irregular. Observam-se impressões devido ao rolamento das partículas abrasivas na superfície do aço. Com este movimento o abrasivo danifica o material por sucessivas deformações plásticas e a remoção do mesmo se dá por fratura. 

Na figura 12(b) as impressões deixadas são menos agressivas e observa-se que a presença do mecanismo de sulcamento (ou de corte) são bem menores que na amostra anterior. 

Na figura 12(c) é possível perceber a marca de desgaste na amostra, porém, neste caso o peso da amostra após o ensaio alterou-se minimamente e isso se deve em função de contaminantes na areia que aderiram à amostra durante o ensaio. 


Figura 12 - (a) Amostra 1 com desgaste severo; (b) Amostra 2 com desgaste moderado; (c) Amostra 3 com desgaste superficial e adesão do abrasivo

Observa-se que o corpo de prova representado pela figura 12(a) apresenta uma condição visual de desgaste abrasivo mais acentuado em relação ao corpo de prova da figura 12(b) e 12(c). Este fenômeno pode ser comprovado através da equação 1, onde para o corpo de prova representado na figura 12(a), 12(b) e 12(c) tem-se os seguintes resultados: 


·       Amostra 1 – Figura 12(a)

Massa inicial: 146,431 g

Massa final: 145,551 g

Densidade encontrada: 7,7423 g/cm³


·       Amostra 2 – Figura 12(b)

Massa inicial: 146,060 g

Massa final: 145,940 g

Densidade encontrada: 7,7301 g/cm³


·       Amostra 3 – Figura 12(c)

Massa inicial: 145,962 g

Massa final: 145,955 g

Densidade encontrada: 7,7423 g/cm³



A perda de volume na amostra 1 é maior, principalmente em função da diferença na geometria do grão. Percebe-se que o volume de material removido no desgaste aumenta conforme o formato mais agudo da partícula abrasiva, ou seja, formas irregulares e não arredondados apresentam maior desgaste. Mesmo que a areia tenha passado pelas etapas de peneiramento indicadas pela norma, existe a possibilidade de influência de impurezas na areia, como a argila, e do formato do grão de areia, sendo o último o mais importante. Devido ao intervalo de granulometria da norma, determinado abrasivo escolhido pode apresentar um tamanho médio maior ou inferior a outros, influenciando também o resultado. 

Conclusão 

Para realização deste estudo utilizaram-se três amostras do mesmo aço H13, com o objetivo de comparar a eficácia de areias fornecidas por empresas diferentes. As três areias passaram por um processo de preparação, conforme descrito anteriormente. Nota-se, através dos ensaios realizados, que o principal fator, responsável pelo aumento do desgaste neste caso foi a geometria do abrasivo. O formato influenciou no aumento do desgaste da peça e a amostra com maior desgaste foi aquela em que o abrasivo possui geometria mais irregular, com cantos finos, denominada de areia A.

No segundo ensaio, com a areia B, os grãos possuem formato arredondado e tamanhos regulares, causando um desgaste bem menor que no primeiro caso.

A Areia C, utilizada no terceiro ensaio, possui uma camada de contaminantes que reveste o grão e que durante o ensaio desprende-se com facilidade e forma uma névoa de poeira, a qual durante o ensaio adere na amostra, levando à uma perda de massa insignificante e, consequentemente, um resultado incorreto. Outro fator também relevante neste terceiro ensaio é que o grão de areia ao perder esta camada de contaminante altera seu tamanho, ficando menor, e com isso também diminui o desgaste. Esta grande variação no desgaste se deu em função da troca de fornecedor da areia.

Desta forma conclui-se que os resultados do ensaio são fortemente influenciados pelo abrasivo e que, além de passar por todas as etapas de preparação, é necessário analisar a geometria, granulometria e impurezas do grão. Caso contrário o ensaio pode apresentar resultados incorretos de desgaste do material.  

Agradecimentos

Os autores agradecem a empresa Rijeza Metalurgia de São Leopoldo pela disponibilização dos materiais utilizados nos testes. Assim como ao CNPq, pelas bolsas disponibilizadas nos processos 311348/2015-7, 132972/2015-8 e 143287/2016-8.

Co-Autores 

Gustavo da Silva Gehlen - silva.gehlen@ufrgs.br

Leonardo Fonseca Oliveira - leonardo.fonseca@ufrgs.br

Alexandre da Silva Rocha - alexandre.rocha@ufrgs.br

Tags
granulometriaabrasãomateriais metálicos
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Ângela Selau Marques

Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense - IFSUL Campus Novo Hamburgo. Doutoranda do PPGE3M - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e Materiais da UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul