A indústria de peças estampadas vem passando por uma série de mudanças nos últimos anos. A escalada da quantidade de materiais disponíveis, a busca pela redução de peso dos carros, o aumento de eficiência, designs cada vez mais arrojados, novos processos e etc. vem tornando a engenharia cada vez mais um departamento crucial para o sucesso de um projeto. A utilização de softwares de simulação permitiu todas estas mudanças mencionadas e trouxe adicionalmente uma redução na quantidade de loops de correção no try-out, assim como o aumento da qualidade das peças e ferramentas.
Com os novos materiais em utilização atualmente, principalmente quando falamos em materiais de alta resistência (UHSS) e alumínio, o problema do retorno elástico (springback) que já existia anteriormente é amplificado devido às características típicas destes materiais. Especificamente, a elevada força exigida para conformação (caso do HSS) e módulo de elasticidade mais baixo (caso das famílias do alumínio).
Os softwares de simulação disponíveis no mercado permitem à medição e consequente a compensação virtual deste retorno elástico. Eles funcionam muito bem para os materiais comuns, mas podem não apresentar resultados satisfatórios para aços de alta resistência caso a compensação não seja feita com extrema cautela e atenção.
Um passo importante e muito negligenciado até hoje é, antes de se efetuar a compensação, buscar formas de reduzir o retorno elástico com artifícios de processo. Cabe à engenharia de manufatura buscar formas de diminuir os valores de retorno, seja através de mudanças no produto ou na geometria das ferramentas.
Além das formas citadas, é possível ao se estudar a fundo o comportamento do material buscar maneiras de atingir este objetivo controlando as variáveis de processo, que muitas vezes são simplificadas durante o seu desenvolvimento.
Tomando como exemplo o reforço estrutural mostrado na imagem a seguir, peça geralmente fabricada em material de alta resistência, podemos observar algumas características de seu comportamento.
Figura 1 - Reforço da coluna B de um automóvel nacional em produção (descaracterizado)
Este tipo de peça tem como característica um baixo nível de estiramento, devido à forma pouco complexa e à rigidez do próprio material utilizado, bem como por possuir em sua seção transversal o formato característico de um chapéu, o que limita as opções de conformação.
Figura 2 - Vista em corte do processo de fabricação
No processo de conformação, a chapa é fixada entre a matriz e o anel, e na sequência o conjunto é fechado contra o punção conformando a chapa. A corrida de material é controlada pela força aplicada ao anel, de modo a alcançar o máximo estiramento possível sem gerar rupturas.
Neste caso específico a chapa é submetida a uma combinação de tensões. A primeira, conhecida como dobra pura, ocorre na região indicada na Figura 3, onde a chapa inicialmente plana é dobrada formando o raio do produto. Nesta condição, a casca externa da chapa é submetida à tração, aumentando seu perímetro inicial. Por outro lado, a casca interna é submetida a uma tensão de compressão, reduzindo o perímetro inicial.
Figura 3 - Detalhe do comportamento da chapa submetida à dobra
A segunda tensão à qual a chapa está submetida é a de tração, provocada pela força exercida sobre a matriz pelo anel. Esta tração faz com que o efeito observado no raio do produto devido à dobra (tensão positiva na casca externa e negativa na casca interna) seja propagado para toda a extensão da parede da seção.
A combinação das tensões citadas acima afetam diretamente os resultados de springback e também causam a deformação da parede do produto. Uma parede inicialmente plana, quando submetida a este processo tende a se curvar, efeito conhecido como calandra ou Curling Wall no termo em inglês. Este tipo de defeito é muito comum em peças com esta geometria, material e espessura, e pode ser observado na Figura 4.
Figura 4 - Efeito Curling Wall na parede lateral do produto
Na simulação representada na Figura 4 foi utilizada uma simplificação muito comum em simulações de elementos finitos: A força aplicada ao anel foi constante ao longo do fechamento da prensa, especificada para a melhor condição, sem provocar rupturas.
O efeito Curling Wall mencionado acima pode ser reduzido e até mesmo eliminado com o uso de forças variáveis no anel. Esta variação de força muitas vezes já existe na prática e é, em muitos casos, desconsiderada na simulação. Ferramentas que utilizam cilindros de nitrogênio não exercem força constante, pois a força deste componente varia conforme o curso da ferramenta. A intensidade desta variação pode ser encontrada em catálogos (figura 5) e inserida nos dados da simulação.
Figura 5 - Imagem de catálogo cedida pela Prodty
Na Figura 6, podemos ver os resultados de springback para o mesmo processo usando diferentes formas de representar a força do anel. A imagem da esquerda mostra o processo inicial, considerando uma força aplicada constante de 80 toneladas. Já na imagem a direita é mostrado o resultado quando a constante elástica do cilindro é considerada na simulação. A pré-carga (força inicial) continua em 80 toneladas, porém, ao final do curso a força aplicada é de aproximadamente 115 toneladas.
A imagem mostra como esta variação de força pode afetar os resultados de springback, e explica porque em alguns casos, os resultados teóricos da simulação não são atingidos na prática.
Figura 6 - Força constante X Força variável (Cilindro)
Em teoria, esta redução de springback tem explicação baseada em um fenômeno chamado Post-stretching. A ideia básica é, ao final do processo, aplicar uma força extra ao anel, segurando mais a chapa. Esta força é capaz de reduzir ou até eliminar as tensões de compressão produzidas na casca interna da chapa, reduzindo ou eliminando os efeitos de calandra da parede.
No caso de ferramentas que utilizam cilindros de nitrogênio, o efeito do post-stretching é limitado por dois fatores: A variação de força não é tão significativa e, além disso, ela ocorre de maneira contínua, durante todo o fechamento da prensa.
O conceito teórico do Post-stretching se baseia em um aumento de 5 a 8 vezes na força aplicada a uma distância de fechamento igual ao raio de entrada da matriz da ferramenta, ou seja, a 10 mm do final do fechamento para uma matriz com raio de entrada de 10 mm. Na prática, isso pode ser obtido com a utilização de servo-prensas.
A Figura 7 mostra a comparação entre uma simulação do mesmo processo, à esquerda considerando força constante e a direita considerando a utilização de uma servo-prensa com um aumento abrupto da força ao final do fechamento.
Figura 7 - Força Constante X Força Variável (Servo Prensa)
É possível observar uma redução no valor do springback, antes da compensação. Uma correção que no processo convencional seria de quase 6 mm agora é de apenas 2mm. Além da redução no valor do springback, nota-se uma redução bastante significativa no efeito de curvatura da parede.
Figura 8 - Comparativo geral (Springback)
Como é possível ver pelas análises mostradas, as tecnologias de simulação disponíveis hoje no mercado nos permitem prever e tomar decisões de processo, escolha de equipamento e material em uma etapa inicial do processo. Conceitos básicos de engenharia podem ser empregados para auxiliar no desenvolvimento, e permitem muitas vezes resultados melhores do que a abordagem clássica.
Em muitos casos onde os resultados práticos não repetem os calculados pela simulação podem ser encontradas falhas na engenharia, seja por falta de conhecimento ou de tempo. Mas já se observa hoje uma mudança de cultura em andamento em muitas empresas, onde se percebe ser cada vez mais necessário dedicar um maior tempo de projeto para a engenharia, com o intuito de se reduzir as horas de construção, ajuste e try-out de ferramentas, e consequentemente o custo total de desenvolvimento do ferramental.
Todos os exemplos mostrados neste trabalho são originários de análises teóricas efetuadas utilizando-se o software AutoFormPlus R7.
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Fernando Henrique Tersetti
Engenheiro de aplicação na AutoForm do Brasil e integrante da equipe técnica responsável pelo suporte a aplicação do software no mercado brasileiro e argentino, possui 10 anos de experiência na indústria automobilística tendo atuado na área de projetos de ferramentas para estamparia e simulação de processos de estampagem. Possui graduação em Engenharia de Controle e Automação.