Gerenciamento de crises corporativas

Vida, patrimônio e continuidade do negócio: “todas as vezes que se alterou esta sequência, os resultados foram desastrosos”.

O homem sempre se preocupou com a sua segurança. No início eram os animais, o frio, o calor. Depois foram os outros homens, sempre focado na sobrevivência, que pouco a pouco foi mudando o cenário e as necessidades, agora adaptadas para as circunstâncias contemporâneas, mantém o homem em busca de segurança. Desta vez, de maneira diferente, porém com o objetivo de sobrevivência pessoal e corporativa.

As empresas enfrentam novas batalhas e elas surgem todos os dias a partir de fusões, desregulamentações, novas tecnologias, novos entrantes e crises, que neste mundo absolutamente interligado, mesmo ocorrendo do outro lado do mundo, traz consequências para empresas que atuam por aqui.

Além dessa competição e, em alguns casos hipercompetição, existe o terrorismo, a criminalidade, a fraude e os desastres naturais, cada vez mais presentes em todo o mundo. Estes desafios nos fazem trabalhar na busca de soluções proativas no sentido de impedir, dificultar ou minimizar ou transferir os danos corporativos.

O Brasil, apesar de ter passado por vários percalços e, em algumas grandes empresas, ter uma gama de planos e procedimentos estruturados para atuar em situações adversas, ainda não possui tradição no gerenciamento de crises corporativas.

 

Conceito de crise

O gerenciamento de crises é um tema muito atual e não é só por conta da COVID-19. As empresas, governos e instituições já enfrentaram crises de diversas formas e ainda enfrentarão. Primeiramente, cabe um esclarecimento em relação ao conceito de crise, que pode sofrer alterações de acordo com o tipo de segmento ou negócio.

Por exemplo, uma crise para a Polícia tem um conceito diferente daquele utilizado pelas empresas, que também será diferente de uma crise governamental ou de Estado. Portanto, não há erro nesses conceitos, mas ainda precisamos diferenciar um problema de uma crise.

Em qualquer segmento existirão problemas que são resolvidos quase que diariamente, são rotineiros, portanto, não são crises. O que diferencia um problema de uma crise é que a sua ocorrência afeta o funcionamento da empresa, no caso de crise empresarial, coloca a empresa em risco, abala a imagem e reputação, podendo afetar a própria existência da empresa, enquanto que os problemas são perturbações do dia a dia, são, em sua maioria, internas ou, ainda que extrapolem os muros da empresa, trazem repercussões mínimas e tem seu retorno à normalidade com brevidade, sem deixar “sequelas”.

A crise não. Ela traz grandes ameaças à estrutura da empresa, à sua sobrevivência, traz ainda grande exposição negativa, afetando sua imagem. Vamos mostrar alguns exemplos do conceito de crise:

O GSI - Gabinete de Segurança Institucional da República Federativa do Brasil utiliza a definição de crise como sendo: “Fenômeno complexo, de diversas origens possíveis, internas ou externas ao País, caracterizado por um estado de grandes tensões, com elevada probabilidade de agravamento – e risco de sérias consequências – não permitindo que se anteveja com clareza o curso de sua evolução”.

Para o FBI, Federal Bureau of Investigation ou Departamento Federal de Investigação conceitua crise como: “um evento ou situação crucial, que exige uma resposta especial da Polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável”.  

Já o Institute for Crisis Management define crise como: “uma ruptura empresarial significativa que estimula extensa cobertura da mídia. O resultado do exame minucioso feito pelo público afetará as operações normais da organização podendo, também, ter um impacto político, legal, financeiro ou governamental nos negócios”.

Para Mário Rosa, em seu livro A Era do Escândalo (2003): “as crises de imagem ou crises de reputação constituem um tipo particular de crise, diferente de todas as outras que podem atingir líderes ou organizações”.

Doutrinariamente se estuda a crise e as características essenciais, quais sejam:

• Imprevisibilidade;

• Compressão de tempo (urgência);

• Ameaça de vida; e

• Necessidade de: postura organizacional não rotineira, planejamento analítico especial, capacidade de implementação e considerações legais especiais.

De acordo com Institute for Crisis Management, os tipos de crises podem ser classificadas como:

• Atos de Deus;

• Problemas mecânicos;

• Erros humanos e;

• Decisões ou indecisões administrativas.

Seja qual for a origem da crise ela poderá ser classificada quanto aos níveis de resposta exigida e será com base em um desses conceitos, de acordo com o seu tipo de negócio, que a organização poderá estruturar seu Plano de Emergência ou de Continuidade do Negócio.

Como vimos, o conceito de crise pode ser diferente de acordo com o segmento e no caso das corporações, estas poderão ser afetadas, independentemente do tipo de negócio ou do seu tamanho.

 

Características da crise

As crises corporativas podem possuir conceitos diferentes, mas as características são semelhantes. Veja algumas delas:

• As coisas acontecem “de repente”;

• É preciso tomar decisões urgentes;

• O tempo é curto;

• Ameaças específicas são identificadas;

• Todo mundo quer informações urgentes sobre o que está acontecendo;

• Há uma sensação geral de perda de controle;

• A pressão cresce a cada segundo;

• Trabalhos de rotina se tornam extremamente difíceis;

• O “pessoal de fora” (imprensa, sindicatos, políticos, “amigos”) começa a ter um súbito interesse pela empresa;

• A reputação da empresa se abala;

• As comunicações ficam incrivelmente difíceis de serem gerenciadas (tanto as internas quanto as externas)

 

Gerenciamento de crises

Todos os conceitos de gerenciamento de crises nos levam ao mesmo ponto, ou seja, a necessidade do controle da crise. Segundo Peter Drucker em seu livro Prática de administração de empresas (1962), “O planejamento não diz respeito a decisões futuras, mas às implicações futuras de decisões presentes”. Desse modo, fica claro que planejamento é um ato de antecipação, de atuar preventivamente, antes que o fato se concretize.

Quando pensamos em prevenção estamos falando em Plano de Segurança, que são as ações, normas, procedimentos e equipamentos utilizados para evitar que algum risco se concretize. Mesmo assim, em muitos casos, por mais que a empresa possa atuar preventivamente para que um determinado risco não ocorra, diminuindo a probabilidade, sempre haverá a possibilidade (ainda que menor) de sua ocorrência, são os riscos residuais, já que não existe risco zero.

Além disso, se compactuarmos com Nassim Nicholas Taleb, autor do polêmico livro A Lógica do Cisne Negro (2008), ainda poderão ocorrer eventos não previstos e “Como os Cisnes Negros são imprevisíveis, precisamos nos ajustar à sua existência”.

Portanto, o ideal que que a empresa tenha, além do seu plano de segurança, um Plano de Emergência, que trata das ações para atuação diante de uma situação de crise ou de emergência operacional (interna) que, nas mesmas condições do plano de segurança, usará os recursos disponíveis para atuar na emergência, diminuindo o impacto provocado pela concretização do risco.

Em casos mais graves, de acordo com os riscos e com o tipo de negócio da empresa, pode-se elaborar um plano de continuidade do negócio. De acordo com Segurança da Sociedade - Sistema de Gestão de Continuidade de Negócios (ABNT/NBR ISO 22301, 2013), o Plano de Continuidade de Negócios adota procedimentos documentados que orientam as organizações a responder, recuperar, retomar e restaurar, após a interrupção para um nível predefinido de operação.

O Plano de Continuidade de Negócios (PCN) fornece estratégias para garantir que serviços essenciais sejam identificados, para garantir sua preservação após a ocorrência de um desastre e até o retorno da situação normal de funcionamento da instituição.

O Plano de Continuidade de Negócio também conhecido como Plano de Contingência teve sua nomenclatura diferenciada após os ataques ao WTC em 11 de setembro de 2001.

De acordo com Leopoldo A. C. Filho e Mário R. S. Tavares em seu livro Gestão da Continuidade de Negócio e a Comunicação em Momentos de Crises, (2010), após o 11/09, “estabelece na segurança das organizações um ponto de inflexão dos pontos de contingência, focados estritamente na recuperação de desastres para planos de contingência alargados para o conceito de plano de continuidade de negócios”.

Assim, houve a mudança do foco operacional para os processos que suportam a estratégia doo negócio. Sai do processo que era tratado apenas internamente (plano de emergência) e passa a ter o foco como processo de negócio.

Para exemplificar esses planos imagine uma situação onde podemos utilizar os três tipos de planos citados até aqui. Uma indústria que trabalha com produtos inflamáveis, para evitar um incêndio, ela tem um plano de segurança no qual está previsto, por exemplo, a proibição de pessoas fumando no local, de acúmulo de produtos inflamáveis em determinados locais, de treinamento dos funcionários para evitarem um incêndio, etc. Isso é o Plano de Segurança, o qual visa a prevenção.

Como não existe risco zero, porque as pessoas são incontroláveis, pode ocorrer um incêndio. Para isso, é necessário ter uma brigada de incêndio com pessoas treinadas para agir, deverá possuir equipamentos de combate a incêndio, sinais de alarmes, etc. Este é o Plano de Emergência, que tem o objetivo de diminuir as perdas, ele é reativo.

Se o incêndio se espalha afetando empresas vizinhas, ou processos que impedem o funcionamento da indústria, mesmo depois que as chamas foram debeladas, será necessário auxilio externo, comitê de crise, ações para a volta à normalidade dentro de um cronograma já estudado para atender os objetivos da empresa com prioridade aos processos vitais do negócio. Este é um Plano de Continuidade de Negócio, que tem o objetivo de dar continuidade no negócio, impedindo o total colapso do negócio, ainda que funcionando parcialmente, mesmo utilizando meios alternativos. 

É claro que as empresas podem ter nomenclaturas diferentes para os seus planos, este exemplo é uma forma de demonstrar, didaticamente, os conceitos apresentados. A partir deste conceito fica claro que o plano de continuidade de negócios deve partir da direção da empresa ou ter o seu aval, pois é uma capacidade estratégica.

Isso demonstra que deve ter o apoio da alta administração e o envolvimento de todas as pessoas, pois responder a uma possível interrupção ou incidente pressupõe envolvimento, treinamento, estrutura e atribuições que serão descritas para a atuação das pessoas envolvidas diretamente.

 

Prioridades

Em qualquer planejamento que se realize, independentemente da nomenclatura utilizada, algumas doutrinas são essenciais:

1º VIDA;

2º PATRIMÔNIO;

3º CONTINUIDADE DO NEGÓCIO.

Todas as vezes que se alterou esta sequência os resultados foram desastrosos. Como escreveu Maquiavel “...mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela” em Discursos de Tito Lívio (1531).

 
Implantação do Plano de Gerenciamento de Crises

A implantação de um plano de gerenciamento de crises necessita de três ingredientes que são fundamentais para o êxito das ações:

  • Divulgação;
  • Integração com outros planos;
  • Treinamento.

A divulgação é a forma com que a informação da existência de um plano para situações de crise. A divulgação deste plano traz mais segurança aos empregados e acionistas, pois demonstra a preocupação da empresa com a vida das pessoas e com a continuidade do negócio, portanto é essencial.

A integração com outros planos é para que haja uma evolução, uma sequência de acontecimentos e respostas por parte da organização, de modo que a cada avanço da crise, haja uma resposta adequada e estruturada para que aconteça de fato, minimizando os danos.

Para que todo o projeto dê certo é necessário o treinamento adequado e a preparação das pessoas envolvidas para que possam agir conforme suas responsabilidades e atribuições, já relacionadas no plano de ação. Sem o treinamento tudo ficará muito mais difícil no acionamento do plano e, ainda que bem estruturado, ocorrerão erros que poderiam ser evitados caso houvesse treinamento.

Portanto, nem sempre é possível prever todas as possibilidades, todas as dimensões do que pode acontecer, mas o planejamento prévio de uma situação de crise, com certeza auxiliará nas tomadas de decisões. Um exemplo disso foi o caso do 11 de setembro de 2001, um fato que marcou a história e mudou a forma das pessoas enxergarem o mundo e, particularmente, o terrorismo.

Durante a NRF (National Retail Federation) Big Show 2016, realizada na cidade de Nova Iorque (EUA), que é o maior evento de varejo do mundo, teve uma apresentação de Rudolph Giuliani, o qual disse que ele, como ex-prefeito de Nova York durante o ataque de 11 de setembro, que havia 26 planos de segurança, porém, nenhum para ataques terroristas aéreos.

Nesse caso, ele disse não saber o que fazer naquela situação, a qual não havia sido prevista, devido a forma assimétrica adotada pelos terroristas, mas que, com o que havia aprendido e treinado para os planos que foram desenvolvidos, conseguiu fazer o gerenciamento de crise que atendeu as necessidades do momento. Foi o preparo antecipado, através de outras situações de crises que foram planejadas que ele conseguiu gerenciar aquela situação que mudaria o mundo e servirá de estudo de caso por toda as nossas vidas.

Para finalizar, uma frase que tem relação direta com a prevenção e é atribuída ao ganhador do Prêmio Nobel de Física, de 1921, Albert Einstein – “Uma pessoa esclarecida resolve um problema. Uma pessoa sábia o evita”.

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Cláudio Moretti

Diretor de Cursos e Certificação - ABSEG Specialties: CES - Certificado de Especialista em Segurança pela ABSO. ASE - Analista de Segurança empresarial pela ABSEG MBA - em Gestão de Segurança Empresarial pela FECAP/Brasiliano. Pós-graduado em Gestão de Crises Corporativas pela UGF. Pós-graduado em Inteligência estratégica. MBA EXECUTIVO EM GESTÃO DE PESSOAS