Desenvolver um novo produto sempre carrega junto uma
quantidade enorme de incertezas, certo? E como todo o conhecimento que envolve
esse desenvolvimento geralmente está atrelado às pessoas, às máquinas ou a
procedimentos, já tratamos essas incertezas como algo inerente ao processo – e
assumimos como padrão a consequência que se reflete nos custos, prazos e
recursos necessários.
Agora imagine ter acesso a todo esse conhecimento já
desenvolvido pela sua empresa, sobre todo o processo, em tempo real, permitindo
que você valide – e não apenas teste – o seu novo produto de um jeito muito
mais ágil e assertivo?
Sim, estou falando sobre validar tudo que é relevante quando
falamos do desenvolvimento de um novo produto: acabamento, espessura, montagem,
variações de matéria-prima dos fabricantes com as variações do perfil da
injetora. Ou seja, tudo o que é necessário para garantir que teremos a peça
certa e, mais do que isso, num processo sem erros, com custo controlado,
utilizando os recursos ideais e num prazo muito menor. E ter essas certezas no
momento zero do desenvolvimento.
Podemos ir além do desenvolvimento de um novo produto e
pensar no ferramental também.
Imagine um molde que se ajuste em processo para garantir que
não haverá um problema de contração não controlada numa peça por uma
característica errada de ambiente ou do próprio processo – como todos os dados
estão conectados, a ferramenta decide o ajuste de acordo com as circunstâncias,
o resultado é sempre a peça certa.
Novos usos de tecnologias existentes integradas com
tecnologias ainda emergentes possibilitam a criação de plataformas de
desenvolvimento que têm o papel de validar digitalmente um produto, processo e
uso – isso é o que conhecemos como gêmeos digitais.
Por definição, gêmeos digitais são sistemas que integram o
físico e o digital em um fluxo contínuo de informação que corre nos dois
sentidos. Na prática, é uma plataforma que permite o acesso a todos os dados de
tecnologias, processo, capacidades produtivas, matérias-primas e uso do cliente,
para que o produto já nasça com toda essa inteligência e seja à prova de erros
- ao menos daqueles erros que já aprendemos.
Nessa lógica, produto deveria estar conectado a esses dados
digitalmente, e cada vez que uma alternativa pudesse incorrer em erro futuro
você deveria ser alertado, antes mesmo de confirmar o comando do seu sistema.
No momento em que o produto está definido, a ferramenta já
nasce conectada a esse sistema, todas essas definições viram requisitos vivos
que conduzem esse desenvolvimento, só que agora carregam mais características
como volumes ideias, restrições de processo, localidades ideais de fabricação
e, porque não, até mesmo o custo energético versus otimização de uma câmara
quente.
O ganho disso tudo está em receber informações que você
teria acesso apenas muito depois no processo, no momento em que está definindo
seu produto – e esse é o momento em que você realmente deveria ter poder
(informação) para tomar uma decisão para seguir adiante.
Por fim, uma vez que o produto estiver em contato com o
cliente, já parou para pensar no quão importante é esse momento? Quanto um
cliente pode nos contar sobre o que é bom e o que pode ser melhor no nosso
produto? E se pudéssemos realmente escutar isso e antever problemas ou propor
melhorias antes mesmo que o cliente peça?
Quanto isso vale para o seu negócio?
Gêmeos digitais, no fim, são as plataformas que nos levarão
a responder às demandas da quarta revolução industrial. É através dessas
plataformas que poderemos pensar produtos com lotes econômicos cada vez menores
para atender aos desejos e às necessidades individuais de cada cliente,
trazendo-os cada vez mais para dentro do processo e entregando produtos
inteligentes por meio de fábricas que se adaptam e aprendem.
Conceitualmente existem ao menos 3 tipos de gêmeos digitais:
Figura 1 – Tipos de Gêmeo digital – imagem cortesia da
Siemens Industry Software
Gêmeo de produto: a partir de dados tradicionais como voz do
cliente e requisitos, assim como dados de uso e produção capturados digitalmente,
essa é a plataforma na qual definimos o que fazemos e qual o melhor produto
considerando todos os cenários. Essas são questões que a plataforma nos ajuda a
responder.
Depois dessa resposta, como eu garanto que o produto entrega
tudo isso? Aqui é que falamos de validação.
Gêmeo de produção: uma vez definido o produto ideal, como
garantir que ele sempre será fabricado de maneira correta, ao custo correto? A
grande palavra dessa revolução é competitividade, e não produtividade. Você
precisa produzir o produto certo, no custo exato, na hora precisa, e muitas
vezes até mesmo no local preciso. Como garantir que seus meios produtivos sejam
capazes de produzir seu novo produto, levando em consideração toda a sua
carteira atual e pedidos futuros? Qual o impacto do novo produto na minha linha
existente, qual o mix ideal, agora que tenho um novo produto?
Essa é a plataforma que faz sua fábrica e seu sistema
logístico ser transparente para você, cada possibilidade pode sim ser testada,
mas novamente deveríamos validar digitalmente a hipótese ideal antes de
colocarmos ela em prática.
Gêmeo de uso ou desempenho: a partir do momento que seu
produto sai da sua empresa, o que você sabe sobre ele? O contato com o cliente
é, com certeza, a hora mais importante na geração de dados sobre qualquer tipo
de produto.
Se é um produto final, qual o conforto do usuário, qual sua
praticidade, o que ele usa e o que ele deixa de usar que talvez pudéssemos
adicionar ou retirar numa próxima versão? Como ouvir isso e entregar valor para
o cliente de uma maneira que ele queira compartilhar seus dados?
Se não um produto final, mas uma ferramenta ou uma máquina:
como ouvir a máquina em uso no cliente? Como antecipar uma parada ou um erro e,
antes mesmo que ela aconteça, intervir e garantir que sua ferramenta sempre
faça o produto certo? Novamente, quanto vale para o seu cliente ter uma
ferramenta que nunca para e sempre faz a peça certa? E, ainda, quais novos
modelos de negócios podem surgir desse tipo de informação?
Aqui é o momento em que ouvimos e interagimos com o nosso cliente final e aprendemos como nosso produto pode ser melhor. É, também, a partir dessa plataforma que podemos escalar de produtos para serviços.
Como conceito, essas plataformas são muito bem definidas, mas o quanto disso está pronto hoje para ser aplicado para você? Esse é o ponto central desse artigo.
Temos alguns níveis de comunicação que precisam acontecer,
de físico para digital, de digital para digital e de digital para físico e,
mais do que isso, essa frequência tem que ser em tempo real - caso contrário,
qual a validade dessa informação?
É justamente nesse momento em que nos encontramos agora:
estudando e validando as plataformas para garantir um fluxo contínuo de
informações no momento exato. E é nesse ponto que atualmente a maioria das
empresas para. Falta conhecimento e tecnologia.
Tantos fornecedores quanto clientes buscam a aplicação do
gêmeo, mas se ficarmos somente em simulação, que não se relaciona com os dados
reais daquele lote, a informação que eu tenho é hipotética e não real.
O valor que podemos esperar do gêmeo é isso: uma plataforma
onde um erro inesperado no processo até pode acontecer. No entanto, esse mesmo
erro será imediatamente identificado, corrigido, e alimentará o sistema na
forma de aprendizado, para que nunca mais se repita.
Ter acesso a dados em tempo real para apoiar a tomada de
decisão baseado em validação é o grande desafio atual e será o grande
diferenciador das empresas num futuro muito breve.
O que se vê hoje no mercado são ferramentas que se propõem a
testar digitalmente os processos - o que já fazíamos há anos -, porém, agora,
com mais capacidade de processamento. Precisamos evoluir disso para a validação
real, que passa pelo aumento de dados no momento de decisão e capacidade de uso
desses dados em situações reais, para assim uma tomada de decisão baseada em
validação.
Essa é a jornada que se desenha pela frente. Meu time e eu
já embarcamos nela. E você, já está preparado?
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Fábio Andreosi
Sócio fundador da PLMX Soluções. Designer de Produtos especialista em Gestão do Ciclo de Vida de Produtos, mestrando em Engenharia de Processos pelo ITA atua no mercado de projetos desde 97. Palestrante nos temas de Manufatura Avançada, Indústria 4.0, Startups e novos modelos de inovação. A área de pesquisa atual no mestrado é focada na criação do conceito manufatura avançada no Brasil e os impactos futuros na sociedade.