O processo de
estampagem a quente une duas características desejáveis ao processo de
conformação de chapas: maiores deformações do material e elevada resistência
mecânica a peça final. Isto se torna possível, pois o processo ocorre a
elevadas temperaturas, onde se tem um aumento da deformabilidade do material.
Como consequência do rápido resfriamento da peça estampada em contato com
matrizes refrigeradas, tem-se uma transformação metalúrgica que lhe confere
elevado grau de resistência mecânica.
Para a indústria
automobilística há uma tendência cada vez maior pela redução do consumo de
combustível e emissões de poluentes lançados na atmosfera. A fim de atender a
essas solicitações a indústria tem respondido com a redução do peso de seus
veículos, utilizando chapas de aço com maior resistência mecânica e menor
espessura.
Novos materiais, os
chamados Advanced High Strength Steel - AHSS, conhecidos como aços
avançados de alta resistência, estão em continua evolução. Esses aços
apresentam melhores propriedades mecânicas, como por exemplo, maior tensão de
escoamento, sendo desenvolvidos para atender solicitações cada vez mais
exigentes em relação à redução de peso e da matéria prima utilizada.
Um dos inconvenientes
da utilização dos aços avançados de alta resistência é o retorno elástico, ou
efeito mola. Devido ao retorno elástico o material, após ser conformado na
matriz, apresenta uma alteração na sua forma devido à recuperação da sua
deformação elástica (Naderi 2011).
Quanto mais elevado
for o limite de escoamento, maior será o retorno elástico do material. Isso
pode ser explicado ao se examinar o gráfico da tensão versus deformação. Como
para os aços a inclinação da parte elástica da curva, caracterizado como módulo
de elasticidade, é
aproximadamente constante, uma tensão de escoamento mais elevada representa uma
maior deformação elástica.
Uma das formas para
se evitar o problema do retorno elástico é fazer com que o aço seja estampado a
quente, onde o aumento da temperatura gera uma maior deformabilidade e uma
redução dos esforços necessários para a conformação (Nikravesh 2012).
Chapas de aço com
maior tensão de escoamento possuem, em geral, uma menor deformabilidade. Como
alternativa para aumentar a deformação desses aços tem-se a estampagem a
quente, que ocorre em temperaturas que permitam sua recristalização dinâmica
(Gorni 2010).
Durante a estampagem a
quente o material, além de ser conformado para a forma final da peça, também é
tratado termicamente dentro da matriz. Esse tratamento térmico consiste na
têmpera da chapa, obtendo-se uma peça final com microestrutura predominantemente
martensítica. Essa
microestrutura martensítica confere a peça elevados valores para a tensão de
escoamento (Naderi 2011).
Para o processo de estampagem a quente tem-se usado aços com uma pequena quantidade de boro. Essas chapas são conformadas e, após, temperadas no interior das matrizes refrigeradas, obtendo-se elevados valores para o limite de escoamento, sem retorno elástico (Gorni 2010).
Uma das principais aplicações
da estampagem a quente é a indústria automobilística onde, com o aumento da
resistência mecânica, conseguem-se reduções de espessura da chapa e com isso a
consequente redução de peso. Atualmente a estampagem a quente é usada para a
fabricação de componentes estruturais de formas complexas e grande tamanho,
onde a estampagem a frio de aços avançados de alta resistência AHSS encontra
limitações em função da sua deformabilidade reduzida e também ao retorno
elástico.
Devido à elevada
temperatura, o material da chapa apresenta maior deformabilidade e redução da
sua tensão de escoamento, permitindo que o processo seja realizado com menores
esforços da prensa. Na figura 1 são apresentadas as curvas de escoamento para a
liga 22MnB5 para
diferentes temperaturas, onde pode ser observado uma redução dos valores da
tensão verdadeira com o aumento da temperatura (Merklein 2006).
No processo de
estampagem a quente inicia-se com o aquecimento da chapa até a sua temperatura
de austenitização. Em
seguida a chapa é transferida para o interior das matrizes, onde é estampada.
Na sequência a chapa é mantida no interior das matrizes para seu resfriamento e
têmpera até uma temperatura de aproximadamente 150°C, conforme pode ser
observado na figura 2 (Neugebauer 2011).
Outro aspecto que
deve ser considerado sobre o processo de estampagem a quente é o tratamento
térmico que é realizado no interior das matrizes refrigeradas. O tempo de
permanência, a velocidade de resfriamento e a disposição dos canais de
refrigeração devem ser estudados para cada caso específico. A disposição dos
canais de refrigeração na matriz pode levar a gradientes de temperatura e taxas
de resfriamento mais elevadas em determinadas regiões da matriz, o que afeta a
têmpera da chapa e sua resistência mecânica (Naderi 2011).
A figura 3 mostra a
variação das propriedades mecânicas da liga 22MnB5 durante as etapas do
processo de estampagem a quente. A geratriz recortada de uma bobina é aquecida
até a temperatura que provoca sua completa austenitização, sendo posteriormente
transferida para o interior da matriz onde é conformada e também rapidamente
resfriada.
Pode-se observar que
com o aumento da temperatura o material apresenta uma menor tensão de
escoamento e uma maior deformação, o que aumenta a sua ductilidade permitindo deformações mais severas e também reduz o esforço para sua
conformação. Após o resfriamento no interior da matriz completa-se o processo
de têmpera e a peça apresenta suas propriedades finais, requeridas para a
aplicação estrutural (Merklein 2006).
Definição do processo
Existem duas variantes para o processo de estampagem a quente: direto e indireto (Karbasian 2010).
No processo de estampagem a quente direto, a geratriz é aquecida até a sua temperatura de austenitização e após estampada na matriz refrigerada. O processo direto aplica-se a peças de geometria mais simples.
Para o processo de
estampagem a quente indireto a geratriz é estampada a frio até aproximadamente
90% da sua deformação, após a peça é aquecida até sua temperatura de
austenitização e estampada na matriz refrigerada, onde é temperada.
Como o processo é realizado em elevadas temperaturas, o acréscimo conseguido na sua deformabilidade permite que peças mais complexas sejam produzidas. Outra característica muito favorável é a uniformidade das propriedades mecânicas obtidas através da têmpera em relação a peças estampadas a frio.
Quando a chapa é
aquecida antes da estampagem consegue-se um aumento na sua ductilidade e uma
redução na sua tensão de escoamento o que possibilita a fabricação de peças com
geometrias mais complexas e com maiores deformações. Além da possibilidade de
estampar peças com maiores dimensões para uma mesma prensa se comparada com
peças estampadas à temperatura ambiente. Isso é consequência da redução da
tensão de escoamento com o aumento da temperatura (Karbasian 2010).
Devido à necessidade
de aquecimento das chapas até sua temperatura de austenitização, entre 850°C e
950°C, existe um grande consumo de energia, se comparado a peças obtidas pela
estampagem a frio (Gorni 2010).
Além disso, na estampagem a quente é possível alterar a resistência mecânica do material modificando sua estrutura através da têmpera que ocorre quando as matrizes são mantidas fechadas e em contato com a chapa. Com esse contato o material da chapa experimenta uma queda de temperatura que, dependendo da velocidade, aumenta suas propriedades mecânicas.
O aumento das propriedades mecânicas, como por exemplo,
tensão limite de escoamento, ocorre devido à alteração da microestrutura do
material da chapa após a estampagem a quente, conforme pode ser observado na
figura 6 (Karbasian 2010).
Para o processo de estampagem a quente, a maior influência para as propriedades mecânicas finais da peça é o processo de têmpera que ocorre no interior da matriz. A têmpera do material por sua vez tem grande dependência da sua composição química assim como da sua velocidade de resfriamento.
As melhores propriedades mecânicas no
processo de estampagem a quente são obtidas com ligas contendo teores de
carbono de 0,20% e teores de manganês a partir de 1,20%, que retarda a
transformação da austenita melhorando a temperabilidade do material. Também é
adicionado boro à liga, que tem a função de retardar a formação ferrítica, pois
em solução sólida segrega para os contornos de grão austenítico e impede a
nucleação da ferrita (Gorni 2010).
Quanto maior o teor
de liga presente no aço, menor será a velocidade de resfriamento mínima do
material necessária para a completa transformação da microestrutura austenítica
em estrutura martensítica. O que é muito interessante, pois simplifica o
projeto da ferramenta em relação aos canais de resfriamento necessários para
obter a velocidade de resfriamento almejada. Porém um material com maiores
teores de liga torna-se mais dispendioso (Gorni 2010).
Após o processo de
estampagem a quente, a chapa de aço apresenta um aumento na sua tensão de
escoamento se comparado ao seu estado inicial, antes da estampagem. Também
ocorre uma redução do seu alongamento, que caracteriza uma redução na sua
ductilidade, conforme apresentado na figura 7 para a liga 22MnB5 (Karbasian
2010).
Conclusão
O processo de estampagem a quente apresenta grande potencial de aplicabilidade e um grande campo para pesquisas de desenvolvimento tecnológico.
Esta nova tecnologia na
conformação de chapas possibilita a obtenção de peças com elevado grau de
resistência mecânica e uma liberdade de design que não pode ser obtida com os processos tradicionais de estampagem. Também é
possível a obtenção de peças com menor peso sem perdas de resistência mecânica
para aplicações estruturais.
Agradecimentos
Os autores agradecem a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Escola de Engenharia da UFRGS, ao Laboratório de Transformação Mecânica (LdTM) pelo uso de sua estrutura, a Brasmetal Waelzholz pela disponibilização de chapas e as instituições de fomento à pesquisa CNPq e CAPES pelo apoio financeiro.
Co-autores
Uilian Boff – uilian.boff@ufrgs.br
Lírio Schaeffer – schaefer@ufrgs.br
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Juliano de Sousa Bueno
Engenheiro Mecânico pela Universidade de Caxias do Sul em 2010. Atualmente é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Engenharia Mecânica, com ênfase em Processos de Fabricação. http://lattes.cnpq.br/8657386469446343