Medir, mitigar, controlar e compensar é uma estratégia sistemática que resume as melhores práticas na engenharia de ferramentais e processos visando garantir que eles sejam verdadeiramente capazes de produzir produtos conformes e dentro de suas dimensões aceitáveis.
A simulação computacional tem comprovado ser uma ferramenta poderosa para ajudar a reduzir significativamente os custos de manufatura e a alcançar uma qualidade dimensional consistente durante todo o tempo de produção de um painel estampado ou conjunto montado. Essa capacidade é ainda maior quando critérios mais avançados são utilizados e incorporados na análise, para a criação de um processo robusto, capaz de absorver as variações das condições de contorno no mundo real.
As melhores práticas de compensação de retorno elástico, cultivadas ao longo de décadas, têm sido eficazes no gerenciamento da qualidade dimensional para o processo de conformação de aços média e alta resistência / baixa liga (HSLA). No entanto, nas últimas duas décadas, novas categorias de aços avançados de alta resistência (AHSS) e ligas de alumínio de alta resistência surgiram.
Para lidar
com esses materiais, processos cada vez mais inovadores passaram a ser
aplicados, trazendo um novo ingrediente a esta receita, colocando em cheque
essa vasta experiência coletiva. Embora as ferramentas de engenharia virtual
tenham assumido um papel central na mitigação e gerenciamento do comportamento
do material e seu retorno elástico, as melhores práticas para a aplicação
efetiva dessas ferramentas não são claramente compreendidas.
Este artigo analisa as melhores
práticas de engenharia e simulação que são cruciais para executar com sucesso
essa estratégia.
Premissas para um bom modelo digital:
A modelo digital – Simulação – deve ser realizada seguindo um criterioso
conjunto de requisitos, visando reproduzir exatamente aquilo que será
construído, gerando assim resultados mais confiáveis. Todos os aspectos do
processo de estampagem, das características e condições do ferramental, do material
e lubrificação devem ser considerados, por terem influência direta nos
resultados.
Condição do ferramental: -
Tipo de acionamento da almofada, ajuste do prensa chapas, folgas de parede, raios
de entrada, limitadores, cinemática dos aços e seus alívios, incluindo os
recalques. Tudo deve ser representado na simulação assim como eles serão
realizados durante a produção, enfim, o
modelo digital deve refletir de forma precisa as características construtivas e
movimentos de todas as operações.
Processo: As
características da linha de prensas, forças
de prensa chapas, a localização de pinos de almofada e cilindros de nitrogênio,
enfim, todas as características de processo devem ser definidas exatamente como
serão projetadas e construídas.
Material: Ensaios são indispensáveis
para caracterizar os materiais para simulação e para futuros eventos de ajustes
e produção. O comum ensaio de tração é útil para representar o comportamento
material sob tensão, mas não mais suficiente. Para se prever o retorno elástico
de forma mais confiável para os aços AHSS e alumínio de alta resistência,
testes combinados de compressão e de tração são necessários, assim como
parâmetros de anisotropia. Para esses materiais, a suposição,
comumente aplicada na simulação, de que
o material se comporta da mesma forma sob tensão e compressão, independente do
sentido de laminaçao, levará a previsões incorretas e não confiáveis.
Outro teste valioso para previsão
dos resultados é o ensaio de embutimento, que possibilita a avaliação do estado
de deformação em diferentes condições de tensões, tornando capaz o estudo do
comportamento combinado de compressão e de tração ao longo da conformação.
O teste combinado de compressão e
tração não é corriqueiro, e esses dados não estão comumente disponíveis. No
entanto, dada a sua importância para a previsão e o gerenciamento do retorno
elástico, que é maior
para os materiais avançados, espera-se que os fornecedores de materiais tomem
nota, gerem e distribuam esses dados de forma mais ampla em um futuro próximo.
Atrito: O atrito durante o
processo de conformação depende do tratamento superficial das ferramentas,
revestimentos da ferramenta e chapa metálica, lubrificante usado, gap das
ferramentas, da velocidade relativa entre as
superfícies da chapa e da ferramenta, e do calor gerado durante a conformação.
Ferramentas sofisticadas estão disponíveis para levar esses fatores em conta
para representar as condições de atrito com mais precisão criando assim um
modelo tribológico mais condizente com a realidade. Essa capacidade adiciona
confiabilidade aos resultados da simulação. (Figura 1a – Influência do
modelo de atrito / Figura 1b – Modelo de atrito simulado).`
Figura
1a – Influência do modelo de atrito
Figura 1b
– Modelo de atrito simulado
Assentamentos: Geralmente
a chapa metálica tem o maior nível de estiramento na primeira operação de
repuxo. Um estiramento uniforme é importante para a função da peça e para
controlar as distorções do painel. Quando este produto é transportado do repuxo
para as operações seguintes, a acomodação elástica do material provoca
distorções dimensionais, fazendo com que o mesmo encolha. Dependendo da
intensidade dessa variação, a peça pode passar a não se acomodar
mais nas operações posteriores.
O resultado deste assentamento
impreciso, pode a incorrer em deformações indesejáveis e não previstas que
prejudicam a acurácia da simulação como um todo. Este processo de análise do
comportamento do retorno elástico entre as operações necessita ser realizado
com muito cuidado e atenção para ser representado no modelo digital aplicando
tais distorções nas superfícies das operações subsequentes. (Figura 2a - Seção
de corte, região de interferência entre chapa e ferramenta / Figura 2b – Análise
de assentamento distância entre a chapa e o adaptador inferior / Figura 2c – Deformações indesejadas).
Figura 2a - Seção de
corte, região de interferência entre chapa e ferramenta
Figura 2b – Análise
de assentamento distância entre a chapa e o adaptador inferior
Figura 2c-deformações
indesejadas
Usinar as superfícies de
assentamentos nas operações de corte para o assentamento correto dos painéis é
essencial para que a representatividade dos fenômenos de retorno elástico seja
precisa e deformações não previstas sejam minimizadas.
Validação: A simulação
completa do processo precisa ser finalizada, incorporando todos os detalhes
anteriores. Os resultados da simulação da versão finalizada precisam ser
aceitáveis sobre todas as métricas necessárias para a conformação robusta com
foco na qualidade do produto.
A abordagem comum para se finalizar uma simulação é manual e iterativa. Começando com um resultado inicial de simulação, as condições do ferramental e do processo são modificadas manualmente com base na experiência, e um novo resultado de simulação é gerado. Esta abordagem muitas vezes pode ser demorada, e pode não produzir um resultado ideal pois muitas são as variáveis, sendo muito difícil conseguirmos levá-las em consideração simultaneamente e de forma a criar os melhores cenários possíveis. A tecnologia que permite uma abordagem mais sistemática, eficiente e que explora todos os cenários plausíveis, antes de identificar o cenário ideal, já está disponível hoje e pode gerar grandes ganhos tanto na definição de um processo mais eficaz, quanto no tempo para tal. (Figura 3 – Melhoria sistemática do processo).
Figura 3 – Melhoria
sistemática do processo, parâmetros de influência utilizando analise SIGMA.
Desenvolvimento do Blank, otimização da linha de corte: Este é um item importante e deve ser verificado antes mesmo de se revisar os resultados do retorno elástico, pois mudanças em qualquer uma dessas linhas também resultarão em mudanças no mesmo. (Figura 4a e 4b Estimativa de blank mínimo e blank mínimo retangular / Figura 4c Análise de desvio da linha de corte).
Figura 4a – Estimativa de
blank mínimo
Figura 4b - Blank mínimo
retangular (dir)
Figura 4c –Análise de
desvio da linha de corte
A medição do retorno elástico
na Simulação: Todo esse cuidado que foi detalhado anteriormente se destina
a gerar resultados precisos e confiáveis de retorno elástico na simulação.
Quando o mesmo está sendo medido, o painel precisa ser fixado de tal maneira
que o próprio processo de fixação não introduza distorção adicional no painel. Assim,
todo o processo precisa ser observado para que, durante a progressão de uma operação
para a próxima, as variações sejam identificadas.
As tecnologias de simulação
oferecem uma variedade de ferramentas de diagnóstico para investigar estes
tipos e características de fenômenos e variações. Medir corretamente o retorno
elástico, sua amplitude e identificar o seu tipo e origem é vital para definir as
contramedidas corretas a serem aplicadas. (Modificar o processo? Modificar o
produto? Compensar as superfícies?) (Figura 5a– Resultado retorno elástico
sobre pontos e pilotos do dispositivo de controle / Figura 5b – Vetores para
compensação / Figura 5c – Superfície compensada)
Figura 5a – Resultado
retorno elástico sobre pontos e pilotos do dispositivo de controle
Figura 5b – Vetores
para compensação
Figura 5c –
Superfície compensada
Mitigando o problema:
A mitigação envolve a
identificação e minimização da distorção do painel resultante do retorno
elástico e ou outras deformações indesejáveis - curvatura das paredes laterais,
falta de estiramento, produção do efeito lata de óleo - reduzindo as amplitudes
necessárias para a compensação e posteriormente aplicando as contramedidas apropriadas
- produto ou processo -. A tecnologia de simulação fornece ferramentas de
diagnóstico que são úteis para essa identificação.
Da mesma forma, grandes desvios
não podem ser simplesmente compensados; o retorno elástico precisa ser reduzido
a níveis gerenciáveis antes de se tentar a compensação.
A cunhagem - compressão
dos raios - e o ironing costumam ser usados para atenuar os desvios do retorno
elástico, quando apropriado. Essas contramedidas, em combinação com diversas
outras, reduzem consideravelmente o retorno elástico e tendem a estabilizar o produto
deixando-o em um ponto de partida muito melhor a compensação. (Figura 6 –
Compressão dos raios).
Figura 6 – Compressão
de raio (Coining)
Com base em tudo o mencionado
acima e após a minimização dos desvios e estabilização dos mesmos, as
compensações são executadas tomando como base valores fixos / determinísticos
dos parâmetros do material, e outras condições de conformação. Entretanto, no
mundo físico, estes parâmetros e a espessura do material variam dentro dos
limites aceitáveis de especificação. Além disso, atrito, variação da posição do
blank, temperatura e inúmeras outras condições são literalmente
"ruídos" incontroláveis. À medida que esses parâmetros mudam de golpe
para golpe e de bobina para bobina, pode-se esperar que os resultados do
produto, incluindo os desvios, mudem. Se essa variação for grande, abrangendo
vários milímetros em termos de amplitude de retorno elástico ou de até mesmo
outros pontos de qualidade tais como qualidade superficial, não é de esperar
que a compensação seja bem-sucedida.
Portanto, é fundamental avaliar a
robustez ou repetibilidade do processo considerando a presença destes “ruídos”.
Essa comparação é baseada na
estatística de controle de processo comumente aplicada Cp & Cpk. É claro
que as medidas de melhoria e mitigação executadas ao longo do desenvolvimento
do processo contribuem fortemente para a repetibilidade dos resultados do
processo.
Hoje, a tecnologia de simulação é
capaz de realizar essas avaliações, bem como possibilitar diagnósticos e
estudos de hipóteses para melhorar os resultados de repetibilidade através de
análises SIGMA.
(Figura 7a - CPK e figura 7b CP).
Figura 7a – CPK
Figura 7b – CP
Após a obtenção deste processo e
da observação de todos os itens acima, estamos prontos para o processo de
compensação, lembrando de observarmos o comportamento de todas as operações e a
propagação de possíveis problemas.
Depois das iterações necessárias,
uma análise deve ser realizada para verificar se repetibilidade do processo não
foi alterada, visto que as condições de estiramento podem ter sido modificadas.
Assim como é necessário verificar se todas
as superfícies pós compensação estão
dentro das tolerâncias desejadas e caso necessário atuar em possíveis pontos de
correção.
Uma vez atingido os padrões
desejados o gêmeo digital está pronto para ser construído conforme simulado,
levando em consideração toda a cadeia de produção, com base nele o projeto e as
superfícies podem ser finalizadas e encaminhadas para a construção.
Para que esse processo de
engenharia extenso e criterioso traga benefícios no mundo físico - ciclos de
teste reduzidos, melhor qualidade do painel, custo geral reduzido - é
imperativo que as ferramentas sejam construídas exatamente como validadas e que
o processo seja executado exatamente como projetado.
Espero que tenham gostado da reflexão que nos prepara para um novo passo e direção ao Press Shop 4.0 ou se preferirem “Smart Press Shop”.
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Cesar Augusto Batalha
Gerente Geral da AutoForm do Brasil e responsável pelo suporte técnico comercial ao mercado Argentino, possui mais de 20 anos de experiência na indústria automobilística tendo atuado nas áreas de Ferramentaria / Estamparia, Armação de Carrocerias, Montagem Final, Pintura, Automação e Robótica. Com o desenvolvimento e implementação de novas tecnologias. Possui formação em mecatrônica, processos de produção mecânica e gestão de projetos. +55 11 4121 1644