Frente a tantos casos de corrupção e desmando, surge a lei
anticorrupção como um balizador de honestidade. Mas é preciso preparar-se para
estar adequado ao novo programa de idoneidade.
A Lei anticorrupção, apesar de não poder ser considerada uma lei nova,
ainda é desconhecida da maior parte dos gestores empresariais, ainda que suas
disposições afetem diretamente o cotidiano das empresas, principalmente que
mantém algum nível de relacionamento comercial como poder público.
No passado, as empresas que se viam envolvidas em alguma prática ilícita
costumavam alegar que se tratava de uma atitude isolada do servidor público. Ao
final, quando alguma punição ocorria, normalmente recaia tão somente sobre os
agentes públicos flagrados, vez que era muito difícil comprovar a culpa da
empresa ou do empregado desta.
A principal inovação da Lei anticorrupção é a possibilidade de
responsabilização objetiva da empresa por atos de corrupção praticados por seus
prepostos ou funcionários, ou seja, a empresa é responsável por estes atos
ainda que ausentes o dolo ou
a culpa.
Assim, as empresas envolvidas em fraudes ou práticas ilícitas podem ser
alvo de ações civis e administrativas e as punições podem ser bastante pesadas
em alguns casos. Destacamos as seguintes sanções previstas pela Lei: i) multas
entre 0,1% e 20% sobre o faturamento; ii) reparação do dano causado; iii)
publicação em meios de comunicação de ampla circulação da punição aplicada; iv)
proibição de receber recursos e subvenções públicas por período que varia de 1
a 5 anos; v) proibição de participar de licitações; vi) suspensão ou interdição
parcial das atividades; vii) fechamento da empresa.
Para atender esta Lei as empresas devem melhorar seus processos
internos, de modo a coibir e prevenir internamente atos de corrupção. As
maiores companhias já contam ou vem estruturando seus setores/departamentos de
"ética empresarial", mais conhecida pelo termo, em inglês, "compliance", exemplo a ser seguido pelas médias, pequenas e microempresas.
A Lei Anticorrupção determina a regulamentação, por ato do Poder
Executivo, dentre outros assuntos, dos programas de compliance, que não
devem diferir muito de guias internacionais, como o da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Assim, nesta toada foi editado o Decreto 8.420/2015, que regulamenta a
Lei Anticorrupção, define e determina os requisitos mínimos dos programas de compliance, chamados no texto do ato de
"programa de integridade".
A definição do que seria um programa de integridade está insculpida no artigo 41 do Decreto 8.420/2015:
Artigo 41 - Para fins do disposto neste Decreto, programa
de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de
mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à
denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios,
fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração
pública, nacional ou estrangeira.
Parágrafo Único - O programa de integridade deve ser
estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos
atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir
o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir
sua efetividade.
A existência e regular funcionamento de tais programas de integridade será de suma importância na defesa de empresas que se vejam envolvidas em irregularidades.
Outros quatro atos regulamentadores foram editados pela Controladoria Geral da União (CGU), a saber: a Instrução Normativa n° 1, de 7 de abril de 2015, que estabelece metodologia para a apuração do faturamento bruto e dos tributos a serem excluídos, para fins de cálculo da multa a que se refere o artigo 6° da Lei Anticorrupção; a
Instrução Normativa n° 2, de 7 de abril de 2015, que regula o registro
de informações no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e
no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP); a Portaria n° 909, de 7 de
abril de 2015, que dispõe sobre a avaliação de programas de integridade de
pessoas jurídicas; e a Portaria n° 910, de 7 de abril de 2015, que define os
procedimentos para apuração da responsabilidade administrativa e para
celebração do acordo de leniência de
que trata a Lei Anticorrupção.
Merece, entretanto, destaque a Portaria n° 909, vez que ela estabelece
que, para fins de avaliação do programa de integridade, a empresa deverá
apresentar à Controladoria Geral da União (CGU) um relatório de perfil e um
relatório de conformidade do programa, a saber:
Artigo 3º - No relatório de perfil, a pessoa jurídica deverá:
I - indicar os setores do mercado em que atua
em território nacional e, se for o caso, no exterior;
II - apresentar sua estrutura organizacional,
descrevendo a hierarquia interna, o processo decisório e as principais
competências de conselhos, diretorias, departamentos ou setores;
III - informar o quantitativo de empregados,
funcionários e colaboradores;
IV - especificar e contextualizar as interações estabelecidas com a administração pública nacional ou estrangeira, destacando:
a) importância da obtenção de autorizações, licenças e permissões governamentais em suas atividades;
b) o quantitativo e os valores de contratos
celebrados ou vigentes com entidades e órgãos públicos nos últimos três anos e
a participação destes no faturamento anual da pessoa jurídica;
c) frequência e a relevância da utilização de
agentes intermediários, como procuradores, despachantes, consultores ou
representantes comerciais, nas interações com o setor público;
V - descrever as participações societárias que
envolvam a pessoa jurídica na condição de controladora, controlada, coligada ou
consorciada; e
VI - informar sua qualificação, se for o caso, como microempresa ou empresa de pequeno porte.
Artigo 4º - No relatório de conformidade do programa, a pessoa jurídica deverá:
I - informar a estrutura do programa de
integridade, com:
a) indicação de quais parâmetros previstos nos
incisos do caput do artigo 42 do Decreto nº 8.420, de 2015, foram
implementados;
b) descrição de como os parâmetros previstos
na alínea "a" deste inciso foram implementados;
c) explicação da importância da implementação
de cada um dos parâmetros previstos na alínea “a” deste inciso, frente às
especificidades da pessoa jurídica, para a mitigação de risco de ocorrência de
atos lesivos constantes do artigo 5º da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013;
II - demonstrar o funcionamento do programa de
integridade na rotina da pessoa jurídica, com histórico de dados, estatísticas
e casos concretos; e
III - demonstrar a atuação do programa de integridade na prevenção, detecção e remediação do ato lesivo objeto da apuração.
Temos, portanto, que além de uma obrigação legal, a regulamentação da
Lei Anticorrupção representa um norte para o aperfeiçoamento das instituições,
tanto públicas, quanto privadas, e a adoção de programas completos e eficazes
de compliance devem se tornar ferramentas poderosas na defesa de
empresas que, eventualmente, se vejam injustamente implicadas em condutas
ilícitas envolvendo agentes públicos e seus funcionários.
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Christiane Schramm Guisso
Advogada e sócia da Schramm, Hofmann Advogados Associados, com sede em Joinville