Avaliação do retorno elástico em tiras de aço 22MnB5 estampadas a quente em diferentes temperaturas

No processo de estampagem a quente, chapas são austenitizadas , estampadas e temperadas em matrizes refrigeradas, de modo que são obtidas peças de alta resistência a partir da transformação martensítica . 

Atualmente, está sendo dada grande atenção à melhoria do processo de produção de peças com distribuições personalizadas de propriedades mecânicas, permitindo que as peças sejam feitas em conformidade com os requisitos funcionais. 

Por exemplo, em vez de utilizar uma fase totalmente martensítica, podem ser incorporadas regiões mais dúcteis , tais como ferrita  e perlita , para aumentar a absorção de energia. Este conceito é descrito em uma patente de Thomas & Detwiler apud sobre a otimização do desempenho estrutural por concepção microestrutural, que pode ser realizada através do controle das condições térmicas durante a conformação. 

Além disso, a precisão geométrica de peças estampadas a quente torna o controle dimensional eficaz, de modo que reduz excepcionalmente o retorno elástico quando comparado à estampagem a frio de aços de alta resistência [3]. O fenômeno de retorno elástico ocorre no estado de descarga, onde a prensa deixa de exercer pressão sobre a peça já conformada.

Conforme, o perfil de canal é comumente utilizado para estudo de retorno elástico por ser bastante utilizado em componentes estruturais automotivos. Três tipos de retorno elástico podem ser observados nesse tipo de perfil, sendo eles estabelecidos por:

Mudança angular (θ): é deformação gerada quando o perfil de uma parede embutida ou dobrada se desvia do original da ferramenta;

Curvamento de parede (ρ): curvatura criada na parede lateral em um perfil de canal. Ocorre quando o material é forçado a fluir sobre o raio da punção ou da matriz, ou por sobre o cordão estirador;

Empenamento: a rotação de pelo menos duas seções transversais, de forma diferente ao longo do eixo longitudinal de uma peça. A divergência provocada pela torção tende a rotacionar uma parte do componente para uma direção e o restante para outra, e isso é devido a um retorno elástico desbalanceado.

A figura 1 ilustra dois tipos de retorno elástico que surgem em canais com perfil de chapéu, onde a mudança angular aparece duas vezes, sendo uma na parede (θ_1) e outra no flange (θ_2), utilizando como referência os eixos x e z.


Figura 1 - Esquema ilustrando diferentes tipos de retorno elástico em canais com perfil chapéu [5]

Diante disso, este estudo objetiva avaliar o retorno elástico na estampagem a quente em temperaturas atípicas a de processo, utilizando tiras de aço 22MnB5  conformadas a temperatura ambiente, sem aquecimento prévio, e a 400°C, 500°C e 700°C, após austenitização a 900°C. 

Essas são temperaturas características de trabalho quando a transferência da chapa entre o forno e a prensa é longa e a taxa de resfriamento é menor que 27°C/s, e, ainda há influência desses fatores na precisão geométrica.

Materiais e métodos  

As chapas utilizadas nesse estudo foram cortadas, na direção de laminação, por cisalhamento em guilhotina, com dimensões de 200 x 20 x 1,3 mm de uma chapa do aço ao Boro 22MnB5. O ferramental foi fabricado por usinagem em aço ferramenta H13  e é apresentado na figura 2. A peça final resulta em um perfil de chapéu e possibilita a medição dos ângulos de dobramento θ_1 e θ_2.


Figura 2 - Ferramental utilizado: (a) vista de montagem; (b) representação das ferramentas no final da estampagem com a chapa e (c) vista em corte

No prensa-chapas foi usinado um rebaixo de 0,5 mm para facilitar o posicionamento da chapa a ser conformada. As posições das ferramentas apresentadas na figura 2 estão de acordo com a configuração experimental utilizada. 

O aquecimento das chapas foi realizado em forno elétrico da marca Sanchis com isolamento de fibra de cerâmica e capacidade de aquecimento até 1.200°C e a transferência do forno para a prensa foi realizada de forma manual, utilizando um tenaz . Já a estampagem foi realizada em uma prensa hidráulica de duplo efeito da marca Dan Presse, com capacidade de 20 kN e velocidade de estampagem de 14 mm/s. 

O processo de estampagem foi realizado em diferentes condições de temperatura, apresentadas na tabela 1.

Tabela 1 - Numeração das condições experimentais de acordo com a temperatura de estampagem

A condição número 1 corresponde ao ensaio em temperatura ambiente na forma da chapa tal como recebida. Nas condições 2, 3 e 4 as chapas foram austenitizadas a 900oC por 7 minutos e transferidas do forno para a prensa em tempo médio inferior a 5 s. Três amostras foram testadas em cada uma das condições definidas.

A variação da temperatura da chapa durante o processo foi medida utilizando um termógrafo da marca Fluke, modelo Ti 400, com o software  Fluke Smartview 2.0 para avaliação das imagens obtidas. 

Após a estampagem, foram capturadas imagens dos ângulos de dobramento, θ_1 e θ_2, com uma câmera digital, importadas para o software SolidWorks e retas foram traçadas ao longo das peças para posterior medição dos ângulos.

Os resultados de retorno elástico são representados pelas variações angulares α_1 e α_2, e são calculados de acordo com as seguintes equações:

α1 = θ1 – 90o Equação 1

α2 = θ2 – 90o Equação 2

onde: 

θ_1 e θ_2 = valores dos ângulos medidos após estampagem, podendo os valores de α_1 e α_2 serem variações positivas ou negativas.

Resultados e discussões 

Os valores médios para a variação angular de α1 e α2, para todas as amostras ensaiadas nas condições de 1 a 4, estão apresentados na figura 3.


Figura 3 - Média dos ângulos para cada condição de estampagem: (a) 20°C; (b) 400°C; (c) 500°C; (d) 700°C

O retorno elástico angular negativo em α1 pôde ser observado apenas para as condições 3 e 4, e α2 é negativo na condição 4. Nas demais condições, α1 e α2 são positivos. O maior valor de retorno elástico em α1 foi de 3,69° e deu-se na condição 1 e o menor, de -0,23°, na condição 4. Para α2, o maior valor de retorno foi de 1,56° na condição 2 e o menor, -0,14° na condição 4.

É possível observar que o maior valor de retorno elástico nas condições 1, 2 e 3 refere-se ao ângulo θ1. Nota-se que os maiores valores se encontram nas condições 1 e 2, e a maior queda situa-se entre as condições 2 e 3. A variação média da condição 3 para a condição 4 foi de menos de 0,5°, tanto em α1 quanto em α2.

A figura 4 e figura 5 mostram os gráficos das médias e desvios-padrão para as condições ensaiadas. É possível observar que acima de 500°C o retorno elástico angular, α1 e α2, é reduzido a valores próximos a zero.

Esses resultados estão de acordo com o estudo realizado por [7], que avaliou o comportamento de aços de alta resistência em diferentes temperaturas. O autor verificou que o retorno elástico diminui consideravelmente quando estampado em temperaturas acima de 477°C, e que não há grande variação em seus valores entre as temperaturas acima desse valor. A pouca variabilidade também é observada entre as faixas de temperatura abaixo de 477°C, em que o retorno elástico é mais acentuado. 


Figura 4 - Desvio padrão dos resultados medidos em θ1 para cada condição de estampagem

Nota-se que a maior dispersão das medidas ocorreu na condição 1, apresentando desvio padrão de 0,23°. Nas condições 2 e 3 o desvio foi de 0,14°, e na condição 4, de 0,13°.


Figura 5 - Desvio padrão dos resultados medidos em θ2 para cada condição de estampagem

Os resultados para a condição 1 apresentaram pequena dispersão, com valor de desvio padrão de 0,02°. Já na condição 2 o valor é de 0,22°, sendo o maior obtido. Os desvios nas condições 3 e 4 foram de 0,08° e 0,05°, respectivamente.

Conclusões 

O perfil selecionado para estampagem do aço 22MnB5 permite observar dois tipos de retorno elástico: angular e curvatura de parede. Nesse estudo optou-se avaliar apenas o retorno elástico angular do perfil em quatro diferentes condições de temperatura, 20°C nas condições de recebimento da chapa, e 400°C, 500°C e 700°C, após austenitização a 900°C em forno elétrico por 7 minutos, com o intuito de identificar a faixa de temperatura em que ocorrem as maiores quedas do retorno elástico.

É possível concluir que a maior queda do retorno elástico, nas condições de estampagem estudadas, encontra-se entre as faixas de temperaturas de 400° e 500°C. Os valores de retorno elástico de α1 medidos nos ensaios em temperatura ambiente não apresentaram grande variação em relação aos ensaios realizados na temperatura de 400°C, e nessa segunda condição, o retorno angular α2 foi o que apresentou maior valor entre as quatro condições determinadas.

Os menores valores de retorno elástico identificados, tanto para θ1 quanto para θ2 foram na condição 4, porém, nas condições ensaiadas, verificou-se que não há variação expressiva para temperaturas maiores que 500°C. 

Agradecimentos 

Os autores agradecem a Capes pelo auxílio financeiro através do projeto BRAGECRIM (2203/2015), ao Laboratório de Transformação Mecânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e ao CNPq pelas bolsas de estudo ofertadas.

Co Autores 

Luana de Lucca de Costa - luana.lucca@ufrgs.br

Renan da Silva Ramalho - renan.ramalho@ufrgs.br

Lírio Schaeffer - schaefer@ufrgs.br

Tags
açousinagem metalurgia estamparia estampagem a quentematrizes
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Camila Pereira Lisboa

Engenheira Mecânica, Mestranda do programa de pós-graduação em minas, metalurgia e materiais - PPG3M, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. http://lattes.cnpq.br/2137739368201824.