Avaliação de centros de usinagem CNC, convencionais e microfresamento, e o comportamento de trajetórias de ferramenta geradas por sistemas CAM para a fabricação de formas complexas

Uma análise sobre o comportamento da velocidade real de avanço para o microfresamento em máquina CNC convencional e em máquina específica para este fim apresenta surpresas interessantes. Neste trabalho foi avaliada a influência do valor de tolerância para cálculo das trajetórias para microfresamento.

Os resultados mostraram que os sistemas CAM devem ser aprimorados no cálculo de trajetórias com valores de tolerância reduzidos, necessários para microusinagem; e que as máquinas convencionais CNC tiveram um comportamento regular na velocidade de avanço para usinagem de pequenas regiões complexas, representando uma possível alternativa para microfresamento.

Observa-se no mercado atual expressivo aumento na fabricação de produtos com pequenas dimensões. Micro peças/componentes são empregados em uma vasta gama de aplicações industriais. 

Desde eletroeletrônicos como tablets, smartphones; componentes para a indústria médico-odontológica tais como microparafusos para implantes dentários, ósseos e próteses ortopédicas; até componentes das áreas automobilística e aeroespacial. Estes componentes podem ser fabricados por processos de transformação, empregando moldes e matrizes, ou diretamente usinados. 

Desta forma, a microusinagem está se tornando um processo de significativa importância, no qual o microfresamento tem um destaque especial devido a sua amplitude de aplicação industrial e flexibilidade na fabricação de geometrias.

Atualmente, existem fusos multiplicadores de rotação disponíveis no mercado para serem instalados em máquinas CNC convencionais (figura 1), com o objetivo de utilizar ferramentas de pequeno diâmetro, evitando a usinagem por eletroerosão (EDM). 

Segundo estes autores, o processo EDM pode danificar a integridade da superfície usinada e também requer um tempo de processamento longo devido à baixa taxa de remoção de material e a necessidade de fabricar o eletrodo.

Figura 1 – Exemplo de fuso multiplicador. Cortesia: Tecnodril


Um trabalho de pesquisa compara o processo de EDM com o de microfresamento utilizando-se de um fuso multiplicador. Nota-se que a aplicação deste equipamento em materiais de maior dureza implica maior deflexão da ferramenta, o que danifica o acabamento superficial, podendo comprometer ainda, a precisão de trabalho e a velocidade de avanço. O trabalho contribuiu para o conhecimento dos processos de fabricação em micro escala, entretanto os casos de usinagem estudados foram realizados em superfícies planas.

A diminuição da escala de corte não pode ser considerada apenas pela passagem dos conceitos da macrousinagem para a microusinagem. Devem ser feitas algumas mudanças de parâmetros que não se restringem apenas à redução da escala. 

Além disso, com emprego de ferramentas de pequeno diâmetro faz-se necessário o uso de um maquinário específico, que possibilite atingir as velocidades de corte mínimas de usinagem. Para que haja corte por cisalhamento, devem-se atingir elevadas velocidades de rotação.

Severas oscilações da velocidade de avanço no macrofresamento de formas complexas estão relacionadas com o tamanho dos segmentos de reta que compõe a trajetória, associado à capacidade de resposta da máquina CNC.

O tamanho dos segmentos de reta depende do valor de tolerância utilizado no cálculo dos programas pelo CAM e do raio de curvatura da superfície a ser usinada. Como no caso do macrofresamento este efeito é representativo, supõe-se que para o microfresamento este problema tende a se agravar, pois as tolerâncias de cálculo devem ser reduzidas.

O processo no microfresamento de formas complexas ainda carece conhecimento. Neste contexto o presente trabalho contribui para o entendimento dos fenômenos no processo de microfresamento e o estudo das oscilações do avanço, utilizando dois centros de usinagem, um específico para microfresamento em comparação a um centro de usinagem convencional utilizando um fuso multiplicador. São avaliadas as trajetórias calculadas por sistemas CAM.

Objetiva-se identificar as velocidades reais de avanço no microfresamento de formas complexas.

Trajetórias de ferramenta e oscilações na velocidade de avanço no fresamento de formas complexas 

O CAM é empregado para a geração de programas para máquinas CNC. Calcula as trajetórias da ferramenta para realizar a usinagem. 

O método tradicional para descrever uma trajetória de ferramenta para usinagem de uma superfície complexa é a interpolação linear de segmento de retas, com continuidade C0, de acordo com DIN 66025. O comprimento destes segmentos está relacionado com as tolerâncias de cálculo do CAM e o grau de curvatura da superfície, como ilustra a figura 2

O CAM ajusta a trajetória da ferramenta dentro de uma banda de tolerância definida pelo usuário, conhecida como chord error, que é representada por um offset da superfície. Para realizar este cálculo, a trajetória é desviada para dentro e para fora da geometria.

Figura 2 – Trajetória da ferramenta dentro da banda de tolerância


Quanto menor a banda, mais próxima à ferramenta está da geometria CAD, entretanto, serão menores os segmentos de retas. Os programas CNC terão maior volume de dados, logo esta característica poderá limitar as velocidades de avanço durante a usinagem.

 

Materiais e métodos 

No presente trabalho são estudadas as oscilações da velocidade de avanço no microfresamento de formas complexas. São avaliados os valores de tempo de usinagem estimados pelo CAM em comparação com o tempo real de usinagem, empregando duas máquinas CNC (centro de usinagem convencional e centro de usinagem específico para microfresamento) com o objetivo de entender a aplicação de fusos de alta rotação em máquinas CNC convencionais, o que permite trabalhar com ferramentas de pequeno diâmetro.

Para calcular as trajetórias da ferramenta foi utilizado o módulo CAM do programa NX V9. A figura 3 apresenta um fluxograma do procedimento experimental.

 Figura 3 – Delineamento do experimento


Os valores de tolerâncias para o cálculo das trajetórias foram alterados em proporções de dez vezes, ou seja, de 0,01 mm; 0,001 mm; 0,0001 mm.

Para a realização do estudo foi adotada a forma geométrica de 1/4 de cilindro. Esta geometria representa toda a alteração de contato entre uma ferramenta de ponta esférica e uma superfície complexa, durante a usinagem de moldes e matrizes. 

As trajetórias da ferramenta foram calculadas seguindo a seção transversal como ilustra a figura 4, para operações de acabamento em passes paralelos.

 Figura 4 – Trajetória da ferramenta e geometria do corpo de prova


Os equipamentos utilizados foram: centro de usinagem Romi modelo D600 com potência de 30 kW e comando numérico GE-Fanuc Oi-MC, e uma microfresadora Kern Pirâmide Nano 5 eixos, com potência de 15 kW e comando numérico Heidenhain.

 

Resultados e discussões 

Estudo das trajetórias geradas para o microfresamento 

A figura 5 apresenta o número de linhas dos programas CNC gerados, as médias dos tamanhos dos segmentos de retas calculados para a trajetória da ferramenta e o desvio padrão, para cada valor de tolerância estudado.

Figura 5 – Tamanho dos programas CNC e dos segmentos de retas em função da tolerância


Observa-se que reduzindo a tolerância de 0,01mm em 100%, eleva-se o tamanho do programa em 99,8%. Diminuindo mais 100% (tolerância de 0,001 para 0,0001) eleva-se em 145% o número de linhas do programa CNC. 

Observa-se também que este comportamento segue um padrão exponencial e não linear. Como constado por, este comportamento deve refletir negativamente na velocidade real de avanço durante a usinagem.

O fato mais importante observado é que houve um elevado desvio-padrão no tamanho dos segmentos gerados para o menor valor de tolerância, o qual deve ser indicado para microfresamento (figura 5b). Devido à geometria ser cilíndrica e a trajetória circular, esperava-se um baixo desvio-padrão, como ocorreu nos casos de valores maiores de tolerância. 

Isto mostra que o algoritmo de cálculo deve ser aprimorado. Para visualizar as trajetórias da ferramenta e tamanho dos seguimentos de retas, a figura 6 apresenta os pontos dos programas CNC para um passe de usinagem. 

Figura 6 – Trajetórias da ferramenta: a) tolerância de 0,01mm; b) tolerância de 0,001mm e; c) tolerância de 0,0001mm


Para os valores de tolerância 0,01 e 0,001 mm a dispersão dos pontos foi linear como esperado. Porém, é visível com a aproximação da imagem que os tamanhos dos segmentos de retas não apresentaram uniformidade quando os valores de tolerância são alterados à escala 10-4 mm, que a dispersão dos pontos não é linear, como nos casos dos valores de tolerância de 0,01mm e 0,001mm. Isso mostra que o programa tem limitações ao trabalhar em micro escala. 

Estudo da velocidade real de avanço no microfresamento 

As oscilações da velocidade de avanço foram avaliadas através do tempo real de usinagem. A figura 7 apresenta os tempos reais de usinagem empregando o centro de usinagem CNC convencional e centro de usinagem específico para microfresamento, juntamente com o tempo calculado pelo programa CAM. Os valores dos tempos de usinagem foram confirmados com uma réplica do experimento de movimentação.

Figura 7 – Tempo de usinagem real entre máquina 1 e máquina 2


Observa-se que o tempo estimado pelo CAM não considera a capacidade de movimentação da máquina e é constante em todos os casos. Entre o primeiro e segundo caso, reduzindo-se o valor de tolerância em 100%, eleva-se o tempo de usinagem em 14%, semelhante para os dois equipamentos.

Observa-se também que o centro de usinagem para microfresamento, embora seja uma máquina de elevada tecnologia, levou mais tempo para usinagem que o centro de usinagem CNC convencional, fato não esperado. Ainda, mais impactante foi o elevado tempo de usinagem com o menor valor de tolerância. 

Provavelmente, o maior tempo de usinagem deve estar relacionado com a precisão de movimentação da máquina, que deve ser maior para o centro de microfresamento. Desta forma, observa-se que a máquina CNC convencional demonstrou uma performance adequada de movimentação para usinagem de micro escala. Contudo, os erros dimensionais não foram avaliados neste trabalho.

 

Conclusão 

O presente artigo apresenta um estudo sobre a aplicação de máquinas convencionais para usinagem de pequenas geometrias empregando fusos multiplicadores de rotação. As trajetórias calculadas por sistemas CAM para microfresamento de formas complexas também foram estudadas. Dentre as principais conclusões, destacam-se:

·  Os tamanhos de segmentos de reta calculados pelo programa CAM seguiram uma tendência linear para as tolerâncias de 0,01mm e 0,001mm. Contudo para a menor tolerância observou-se um elevado desvio-padrão dos comprimentos dos segmentos de retas que compõe a trajetória, implicando no microfresamento, pois ocasiona uma variação da velocidade de avanço, elevando o tempo de usinagem, podendo prejudicar o acabamento superficial. Com isso, sugere-se que os algoritmos para cálculo de trajetórias complexas de pequenas dimensões e baixos valores de tolerância sejam aprimorados.


·  Observou-se um comportamento regular da velocidade de avanço da máquina CNC convencional para trabalho em pequenas dimensões. Nos casos avaliados, este equipamento demonstrou ser mais rápido que o centro de usinagem específico para microfresamento.


Contudo, ressalta-se que os desvios geométricos durante as movimentações não foram avaliados. Espera-se maior precisão para este último equipamento.

Agradecimentos 

Os autores agradecem ao ISI SENAI de Joinville, a FAPESC e a empresa Tecnodrill Indústria de Máquinas.

 Co-autores 

Adriano Fagali de Souza – adriano.fagali@ufsc.br

Jorge Adriano Dos Santos – jorge.santos@edu.sc.senai.br

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Taiuê Cavalheiro Hoffmann

Aluno de graduação em engenharia da Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC-Joinville e pesquisador de iniciação científica CNPq no Laboratório GPCAM-UFSC.