Análise da Influência das Velocidades de Avanço e Rotação na Estampagem Incremental de Alumínio Puro

A estampagem incremental (Incremental Sheet Forming) é um processo de fabricação aplicado a conformação de chapas metálicas que pode ser realizado tanto em máquinas dedicadas à estampagem incremental, como em fresadoras, centro de usinagem CNC, ou ainda através de um braço robótico. 

O processo possui duas variações principais, a Estampagem Incremental de Ponto Único: onde uma chapa fixada por um prensa chapas sofre deformação pelo movimento de uma ferramenta de ponta semiesférica em movimento de rotação e realizando incrementos progressivos contra a chapa metálica nos eixos X, Y e Z, conferindo a ela a forma desejada; e a Estampagem Incremental de Dois Pontos: onde uma matriz é posicionada abaixo da chapa metálica, o que confere ao produto estampado maior precisão, permitindo que a chapa assuma a forma desejada quando um perfil mais complexo é exigido, conforme indicado na Figura 1.

A Estampagem Incremental de Dois Pontos pode ser realizada com matriz parcial positiva ou negativa, ou ainda com matriz completa positiva ou negativa, dependendo do formato que se deseja conformar. 

A utilização de uma matriz parcial não é um caso que exija muito tempo ou recursos, já que matriz pode ser fabricada na própria máquina CNC, onde se realizará a estampagem. Assim sendo não há necessidade da matriz ser fabricada em aço ferramenta, podendo-se destinar a este propósito materiais mais acessíveis como aço comum ou poliuretano rígido de alta densidade.

Diversos estudos relacionam os parâmetros de destaque com influência no processo de estampagem incremental, como a temperatura do processo, a lubrificação utilizada, a espessura da chapa e o ângulo de parede formado na estampagem, bem como o diâmetro, o incremento vertical (Δz), o avanço (F) e a rotação (N) da ferramenta. Este artigo apresenta uma análise detalhada da influência das velocidades de avanço e rotação da ferramenta na deformação máxima obtida pela chapa metálica estampada.  

Materiais e Métodos

Para realizar os experimentos de estampagem incremental foi utilizado um centro de usinagem CNC da marca ROMI modelo Discovery 308, com curso longitudinal de 450 mm, curso transversal de 310 mm e curso vertical de 410 mm.

Foi fixado à mesa do centro de usinagem um dispositivo constituído por uma matriz parcial, sobre a qual foi fixada cada chapa de Alumínio AA1200, com dimensões 1 x 60 x 160 mm, através de um prensa chapas. A conformação da chapa foi realizada pela ferramenta de estampagem incremental com ponta semiesférica com diâmetro 9,5 mm. 

Após a estampagem das chapas em cada experimento, estas apresentaram uma redução significativa da espessura inicial (s0) para a espessura final (s1), sendo que cada experimento foi interrompido logo após a apresentação da trinca na chapa, registando-se a profundidade (h1) em que ela ocorreu, conforme indicado na Figura 2.

 

Figura 2 – Dispositivo para realização dos experimentos de estampagem incremental. 

O dispositivo de estampagem foi fabricado em aço SAE1020, inclusive a matriz parcial, devido às baixas tensões atuantes no processo. No entanto, a ferramenta foi fabricada em aço rápido, a fim de garantir sua funcionalidade no processo. 

Para realização de cada experimento foi determinado o percurso da ferramenta de estampagem por programação CNC, com incremento vertical de 0,5 mm sobre a chapa (no eixo Z). Após cada incremento vertical ocorre um deslocamento da ferramenta em 100 mm (no eixo X) e outro incremento vertical, até que ocorra o surgimento de trinca na chapa, então o experimento é interrompido. A Figura 3 apresenta o percurso da ferramenta em cada experimento de estampagem incremental.

 

Figura 3 - Percurso da ferramenta nos experimentos

A lubrificação nos experimentos foi realizada por meio da graxa UNILIT MP BSM, graxa preta com bissulfeto de molibdênio. Sua aplicação foi feita por meio de pincel, sendo que a cada incremento da ferramenta essa graxa foi sendo reaplicada manualmente à medida que a interface chapa-ferramenta ficava sem lubrificação.

A escolha da graxa foi orientada por Azevedo et al. que na estampagem incremental de alumínio obteve resultados de rugosidade das chapas com o uso de uma graxa similar (graxa AL-M). A Figura 4 apresenta o processo de estampagem incremental sendo realizado no centro de usinagem CNC e a superfície da chapa devidamente lubrificada.

 

Figura 4 – Realização dos experimentos no Centro de Usinagem CNC

No total foram realizados 12 experimentos combinando-se 4 parâmetros de rotação N (com eixo livre, 200 rpm, 400 rpm e 800 rpm) e 3 parâmetros de avanço F (200 mm/min, 400 mm/min e 800 mm/min) mantendo-se o incremento vertical Δz de 0,5 mm. 

Em cada chapa de alumínio foram gravados círculos com 2,5 mm de diâmetro por um processo eletroquímico. Após o surgimento da trinca em cada experimento ocorreu sua interrupção, sendo a medição das deformações máximas realizada nas formas elípticas (geradas pela deformação da chapa) logo ao lado da região onde a trinca ocorreu, conforme indicado na Figura 5. 

Figura 5 - Resultados dos Ensaios de Estampagem Incremental de AA1200, com Δz = 0,5 mm


Resultados e Discussão

Através da análise dos 12 experimentos realizados variando os parâmetros de avanço e rotação e mantendo o incremento vertical constante em 0,5 mm, foi construída a Tabela 1. Nela também foram adicionados os resultados de cada experimento, como a profundidade em que ocorreu a trinca h1, a espessura final da chapa s1, a deformação no comprimento φ1, a deformação na largura φ2, e a deformação na espessura φ3.

Tabela 1 - Resultados dos Ensaios de Estampagem Incremental de AA1200, com Δz = 0,5 mm

Nos 12 experimentos a deformação φ1 variou de 0,69 a 0,88 com a deformação φ2 se mantendo em 0, o que caracteriza a deformação plana, medidas ao lado da trinca. A deformação na espessura φ3 foi determinada pela lei da constância de volume, que determina que a variação das deformações é nula, conforme indicado na Equação 1.


Onde:

φ1 = Deformação no comprimento [adimensional];

φ2 = Deformação na largura  [adimensional];

φ3 = Deformação na espessura [adimensional].

Conhecendo a deformação na espessura φ3 e o valor da espessura inicial (s0 = 1 mm), a partir da Equação 2, foi possível calcular a espessura final s1, conforme indicado na Equação 3.



Onde:

s1 = Espessura final da chapa [mm];

s0 = Espessura inicial da chapa [mm].

A profundidade em que ocorreu a trinca h1, foi determinada de acordo com a profundidade registrada no painel do centro de usinagem CNC no instante em que cada experimento foi interrompido, variando de 6,5 mm a 8 mm.  

Na Figura 6 é apresentada a relação entre rotação (N) e deformação máxima obtida (φ1) para cada avanço (F) utilizado nos experimentos.


 

Figura 6 - Relação de rotação (N) e deformação (φ1) para cada velocidade de avanço (F) nos experimentos de Estampagem Incremental

A Figura 6 indica que quanto menor for a velocidade de avanço, maior será a estampabilidade no processo de estampagem incremental, assim como também concluído por Arruda. Já que com avanço F = 200 mm/min foi possível obter os maiores valores de deformação, enquanto que com avanço de F = 800 mm/min, foram obtidas as menores deformações e com F = 400 mm/min deformações intermediárias dependendo da rotação utilizada.

Também se percebe que com baixo valor de avanço (200 mm/min) há aumento na deformação máxima com rotação de 800 rpm, confirmando as conclusões dos estudos de Xu et al. (com mesmo incremento vertical e faixa de avanço próxima) que indicam que em geral, a estampabilidade aumenta à medida que ocorre aumento da rotação da ferramenta.

No entanto, com avanço de 400 mm/min, a deformação diminui a partir de 400 rpm. Já com avanço de 800 mm/min a variação de rotação não apresenta nenhuma influência na profundidade estampada. 

Na Figura 6 ainda é apresentada uma região em destaque onde foram constatadas as melhores condições de estampagem incremental, ou seja, onde foi possível obter maior deformação sem que houvesse comprometimento da rugosidade superficial da chapa estampada. Desta região foi excluído ao o experimento que apresentou maior deformação, pois este também apresentou defeitos superficiais.

A maior deformação ocorreu no 10° experimento, com baixo valor de avanço (F = 200 mm/min) e alta velocidade de rotação (N = 800 rpm). No entanto, nessa condição a rugosidade da chapa foi visivelmente comprometida, apresentado a aparência característica do “efeito casca de laranja" (orange peel effect) na parte externa. 

Este tipo de defeito também verificado em alguns experimentos nos estudos de Hamilton e Jeswiet [15] para valores de avanço muito mais elevados (entre 5080 e 8890 mm/min). Na Figura 7 fica evidente a elevada rugosidade apresentada na superfície externa do 10° experimento quando comparada com o 7° experimento (semelhante aos demais).

 

Figura 7 – (a) Superfície externa com irregularidades - experimento 10 e (b) sem irregularidades - demais experimentos

Além disso, o 10° experimento também apresentou irregularidades na parte interna. A Figura 8 apresenta a comparação entre as superfícies internas do 10° experimento (com muitas irregularidades) e do 7° experimento (com a aparência uniformemente lisa, muito semelhando à dos demais experimentos). 

 

Figura 8 – (a) Superfície interna com irregularidades - experimento 10 e (b) sem irregularidades (demais experimentos)

Nos demais ensaios as superfícies não apresentaram comprometimento algum em sua rugosidade, que fossem visíveis a olho nú.

Com base nos dados obtidos nos 12 experimentos foi possível agrupar os resultados de deformação em três Retas Limite de Conformação (RLC): a primeira com RLC com o menor valor de deformação para os ensaios n° 3, 6 , 8, 9, 11 e 12; a segunda RLC com valor intermediário de deformação para os ensaios n° 1, 2 , 4, 5 e 7; a terceira reta com maior valor de deformação para o ensaio n° 10, conforme indicado na Figura 9.


 

Figura 9 - Retas Limite de Conformação (RLC) para Estampagem Incremental de AA1200


Conclusões

Este estudo apresentou uma análise de 12 experimentos de estampagem incremental de AA1200, comparando as velocidades de avanço e rotação utilizados com as deformações obtidas. Permitindo a conclusão de que é possível obter maior deformação na estampagem incremental de alumínio puro, sem comprometer a rugosidade superficial do produto estampado, utilizando incremento vertical de 0,5 mm, com avanço de 400 mm/min e rotação entre 0 a 200 rpm, ou ainda com avanço de 200 mm/min e rotação dentre 0 a 400 rpm.

Também se conclui que os experimentos propostos permitem a construção de três Retas Limites de Conformação que agrupam os resultados obtidos, podendo estes serem aplicados à estampagem incremental de qualquer formato desejado, desde que atendam às faixas de parâmetros estabelecidas. 

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estampagem CNCusinagem análise
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Andrison Rodrigues Teixeira

Diretor Industrial na empresa G1 Equipamentos. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Minas, Meta¬lúrgica e de Materiais (PPGE3M) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) na área de conformação mecânica. Pós-graduado em MBA em Gestão de Projetos em 2017 pela Faculdade IBGEN (Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios). Graduado em Automação Industrial em 2011 pela Faculdade SENAI de Tecnologia (FATEC).