Gostaria de começar a publicação contextualizando sobre um período específico onde acredito que foi forjada a cultura do segmento ferramenteiro nacional. E que precisa mudar!
Eu, ainda jovem, passava horas sentado no muro da casa onde morava, refletindo sobre a vida.
Como ela funcionava e que profissional queria ser.
Reconheço hoje, passados “alguns” anos, que muitos dos pensamentos que tomei como verdade, se não a maioria, estavam errados.
Um deles em especial marcou bastante: “Posso ser o que quiser com o meu simples esforço”.
Isto foi possível durante o início da carreira em ferramentaria onde o egoísmo prevalecia: sou importante, único e esforçado.
Serei um profissional de sucesso. Durou pouco!
A fotografia em branco e preto, marcada e com cantos dobrados pelo tempo.
Final da década de 70, durante os anos dourados em ferramentaria em São Paulo.
A motivação profissional era participar de qualquer estrutura importante com letreiro enorme na porta e que representava grandiosidade em movimento de pessoas e muito ganho financeiro: organizações e seus uniformes cinza, azul ou de cor caqui.
O SENAI era o caminho mais curto e concorrido para o objetivo. Disciplina, metodologia e rigor. Éramos quase soldados sendo preparados para a batalha. Mas também era preparo para uso de uma poderosa arma de conquista: o relacionamento pessoal.
Retirados do convívio familiar, do estreito convívio com vizinhos e jogados numa grande panela de mistura culturais temperadas com malandragem, esperteza e alguma sacanagem que ao sobreviver a tudo isto, fortes, sermos encaminhados para a rotina de servidão e trabalho intenso nas organizações.
Ferramentaria como prestadora de serviço como conhecemos hoje, eram muito poucas.
Jovens para conhecer ou iniciar o trabalho em uma ferramentaria somente nas cativas (internas), de grandes empresas, como Philips, Bosch, dentre outras e automobilísticas no geral, que logo começaram a terceirizar para próprios empregados, pois a gestão de “custos” em manutenção de maquinários e mão de obra já não faziam parte do “core business” (a razão de existir da empresa).
Não havia motivo e era estratégico parar de gastar energia e dinheiro nisto.
Começava assim a sina de reclamações do segmento ferramenteiro.
Grandes empresas não foram capazes de gerenciar um departamento tão importante, como um ex-funcionário, por mais capacitado tecnicamente que fosse, poderia?
Lembre-se, eu relato aqui o momento do final dos anos 70 e início dos anos 80, onde pouquíssimos gestores eram formados em raras universidades e faculdades que ministravam cursos de formação generalistas: engenheiros mecânicos, advogados, médicos e administradores de empresas.
A especialização era extremamente cara.
Entrei para o segmento em 1979 e o contexto político econômico do Brasil ainda era o I.S.I., Industrialização para Substituição da Importação.
Acreditava-se que fechando o País, a produção local seria autossuficiente para ativar e manter a economia. Comprar máquinas e equipamentos era difícil. Importar então, impossível!
Acesso a financiamento do Estado como o FINAME (com carência para iniciar o pagamento das parcelas principais), era complicado, poucas novas ferramentarias conseguiam.
Por outro lado, algumas, através do apoio dos próprios fabricante de máquinas, criavam em relação estratégica importante para o fabricante nacional: “coloco a máquina aí, para você começar a faturar e começo a cobrar depois de alguns meses, quando você estiver faturando e estabelecido contabilmente em condições de pedir o FINAME”.
Apesar de muito serviço circulando para fabricação de moldes no início do uso de matérias plásticos em veículos e equipamentos eletrodomésticos no Brasil, começava a primeira crise do segmento:
As ferramentarias eram todas iguais e dependentes de relacionamentos com representantes, muitos deles sanguessugas: deixo com você o serviço às custas de até 10% de seu faturamento. Passo aqui no final do mês!
Os profissionais ferramenteiros, por conta da limitação de bons equipamentos, se tornavam cada vez mais importantes, pelo conhecimento tácito (mão na massa) e experiência em fazer acontecer, mesmo que demorando meses e, mais uma vez, levando parte importante do faturamento da empresa em horas extras.
Era comum ouvir: mercenários, só pensam em dinheiro!
Mas naquela época, pelas condições limitantes impostas pelo contexto econômico e escassez de educação, ninguém pensava diferente a não ser “levar vantagem”.
Era a única oportunidade apresentada para ganhar um bom dinheiro.
Foram 3 décadas de paradoxo importante: muitas oportunidades e ganhos financeiros, sem aproveitamento pelos gestores e donos para consolidação da empresa.
Não houve estruturação administrativa nem técnica abrindo uma janela de oportunidades importante para os participantes de mercados globais a partir da abertura do mercado brasileiro no início da década de 90.
Lembre-se, as ferramentarias eram todas iguais, com profissionais iguais e igualmente sem preparo para gestão administrativa, técnica e, principalmente, ao meu entender, gestão dos profissionais.
Ações, comportamento e ocorrências históricas citadas forjaram a cultura, hoje descabida, do segmento ferramenteiro do Brasil: o individualismo!
Abrir as portas da empresa para parceiros e desconhecidos era pecado capital. Era como se fossem sugar todo o conhecimento e raptar a carteira de clientes só ao entrar.
Ciclos de crises começaram a se intensificar no Brasil com a abertura do mercado, avanço da tecnologia de usinagem, programação CNC e a globalização.
A internet e dispositivos portáteis colocaram o mundo na palma da mão e dos concorrentes globais também. Poucas empresas do segmento no Brasil evoluíram, mesmo com tanta tecnologia.
2022 - Análise estratégica para apoiar a mudança deste contexto
Siga comigo fazendo uma breve análise do ambiente empresarial sob os contextos interno e externo conhecido por muitos como SWOT (Strengths; Weakness; Opportunities and Threats) ou, em bom português, FOFA de Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças. Usarei o FOFA, considerando:
Ambiente Externo: Oportunidades e Ameaças.
Ambiente Interno: Forças e Fraquezas.
Não vou me aprofundar pois acho que cada empresa ou grupo delas pode sentar à mesa e passar momentos refletindo sobre estratégias utilizando a ferramenta.
Fica a sugestão. Mas elaborei breve avaliação, longe de ser a completa verdade, entretanto servindo de balizador para início de reflexão.
Para não estender muito, vou trabalhar o contexto interno: fraqueza. Considero o mais importante e urgente!
Comecei minha carreira como autodidata, aprendendo tudo na raça, achava que com meu esforço intelectual solitário seria capaz de dominar tudo.
O ego era forte e tendia para o egocentrismo, resultado do ambiente empresarial, educacional e cultural do Brasil àquela época: cada um por si e, se possível, levando vantagem em tudo!
Pelos anos de convívio no segmento, acredito que assim como eu, a maioria dos profissionais e por consequência, futuros empreendedores à época, também se forjaram desta forma.
Desci do muro e fui para ação!
Em certo momento da carreira, ao assumir cargos de liderança e começar a ser responsável pelas entregas - não só minhas, como também pelas entregas de outros -, resolvi me aprofundar: porque profissionais entregam somente o mínimo necessário quando provam que são capazes de fazer facilmente mais?
Não seguem à risca orientações e normas e impõem limites a quem chega? Porque ao visitar outras empresas, estas se fecham como se fossemos tomar alguma coisa ou alguém?
As fraquezas
Descrevo agora meu entendimento sobre as principais fraquezas da ferramentaria nacional. São elas:
Padronização sistêmica: ferramentarias são iguais: se estamos em meio à crise, - ferramentarias fecham a todo momento ou, as que sobrevivem, mal pagam as contas e se resumem a fazer um churrasquinho improvisado no fundo da oficina quando entra um “servicinho” -, por qual motivo continuam a fazer tudo igual e não procuram fazer algo diferente?
Por que não sentar à mesa com os concorrentes que deveriam ser parceiros e discutir como sair da mesmice?
Eu sou melhor nisso, você melhor naquilo e juntos somos capazes de nos defender e atender certa necessidade de mercado. Vamos divulgar!
É hora de mudar: novo leiaute, limpar a oficina e máquinas, entender novos processos de fabricação, procurar novas ferramentas, permitir que o fornecedor mostre novidades tecnológicas e muito mais!
Há muita vida nova lá fora! Será que o que seu vizinho (concorrente) possui, ou o que você ouviu falar é adequado a sua cultura e perfil de profissionais da empresa? Por que copiar?
Quando chegava a uma ferramentaria para avaliar capacidades para aprovação de fornecimento, ficava feliz ao ver uma novidade tecnológica ou mesmo um novo processo.
Ficava mais feliz ainda quando um empregado especialista me orientava com orgulho sobre o processo novo que ele conduzia.
Era raro, mas um momento de êxtase para mim! Via VIIDA (Vontade Intensa Interna de Aprender) naquele lugar! Tente fazer diferente!
Cultura empresarial inerte: hoje em dia, com tanta informação circulando na palma da mão e tanta inovação chegando a cada minuto, como pode uma empresa se dar ao luxo de ficar isolada, inerte ou até mesmo congelada em seu ambiente?
É só fazer uma pesquisa na internet e perceber que sites de ferramentarias não mudam há meses (quando tem). O site também é o mesmo que o do vizinho “concorrente’’, só muda o logo, as cores e endereço: lista de equipamentos, fotos tiradas no final de semana, limpas em aplicativos de tratamento de imagem.
Missão e valores escritos por alguém de fora que nem conhece o dono. É cartão de visita estático que parece querer esconder alguma coisa, sendo um convite explícito para o cliente não chegar nem perto!
Coloque o seu site para se movimentar, mas não esqueça de movimentar a empresa de alguma forma primeiro!
O maior perigo em tempos de turbulência não é a turbulência em si – é agir com a lógica de ontem – Peter Drucker
Miopia de ego: acreditamos que somos bons no que fazemos. Cliente que venha até nós! É ela, a miopia, que conduz à inércia.
Hoje em dia o melhor é aquele que compreende o mercado e suas necessidades. Necessidades estas, que mudam a cada momento.
Novo celular, novo carro ou melhor nova tecnologia de transporte individual e público: combustão, elétrico, a hidrogênio, com piloto, sem piloto e que voa!
Você pensa que sua empresa decolou como foguete e não vai dar ré? Desculpe, mas até foguete dá ré e aterrissa para ser reutilizado!
E você aí, sentado pensando que clientes virão por aquele molde diferentão que fez! A China já copiou e tem uns dois pré-usinados esperando o cliente chegar e já oferecendo para o mundo! Passei por isso.
Procure alimentar seu ego com outra coisa, um hobby talvez, mas deixe sua empresa ser humilde a ponto de compartilhar e receber compartilhamento. Ótimo exercício para crescimento através de trocas do novo com outros!
Já pensaram que, com o avanço das tecnologias de difícil acesso como, software, máquinas avançadas e de grande porte, mais acesso a plano limitado de desenvolvimento do governo, as pequenas e médias ferramentarias sozinhas correm um grande risco de virarem “oficinas de usinagem” ultrapassadas e com mão de obra desqualificadas?
Já refletiram que talvez a única forma de superar isso seja através da união dos pequenos e a associação a entidades que trabalham para a causa do segmento de forma organizada e bem gerida?
As associações também precisam de resultados, mas o propósito do trabalho é fortalecer o segmento, ou seja, muitos. Pense sobre isto, pode ser a única oportunidade de combater a concorrência global.
A congregação de especialidades e competências distintas fortalecerá as pequenas neste momento, não tenha dúvida sobre isso! Avalie e reconsidere, vale a pena continuar sozinho, curtindo seu ego?
Fragilidade operacional: profissionais organizados e geridos como robôs. Deixei por último, pois aqui o bicho pega!
Eu acredito (e experimento) que no ambiente empresarial que vivemos onde tudo caminha para a padronização sistêmica (tudo é igual, máquinas e processos) o único diferencial competitivo e adaptativo - através da sua capacidade de raciocinar -, é o Ser Humano!
Acredito que seja insensatez, se não, bem mais que isso, contratar o profissional por salário justo e dizer a ele “como” deve ser feito o trabalho.
Mesmo com a evolução da sociedade, algumas práticas continuam as mesmas como definidas há 150 anos ou mais: alguém manda, diz o que fazer, e o outro obedece.
Ferramentaria por essência é uma prestadora de serviço (salvo raras exceções que produzem em escala produtos padronizados), atendem clientes para resolver seus problemas.
Esse deveria ser o propósito, senão transformam-se em empresas de usinagem.
Devido a globalização, é cada vez mais importante se aproximar do cliente para entender suas necessidades e carências como: prazo, qualidade, e tecnologias utilizadas colocando a empresa à disposição como um centro tecnológico e desenvolvedor, mesmo que de pequeno porte.
Você acredita que fazendo igual a todos, isto seja possível?
Há como atender necessidades inovadoras de clientes atuando como em uma oficina de usinagem com equipamentos sendo operados de forma padrão, mesmo que comandadas por softwares de alta tecnologia, mas utilizados de forma primária e quase amadora?
Afaste-se das operações por um tempo e reflita criticamente sobre como se comporta sua operação industrial, ou sua oficina.
Há como competir com países mais adiantados no uso de tecnologia ou com abundância de recursos de todo o tipo como a China da maneira que sua empresa “processa” a entrega da solução?
Um panorama resumido
Orçamento, duas ou três semanas para avaliação do modelo matemático e custeio. Após o pedido ser fechado, uma equipe faz ou compra o projeto, uma ou duas semanas para o pré-projeto e disparada da cotação.
Projeto finalizado com algo diferente do orçado e agora analisado pela equipe de programação e PCP (se houver) para definir fluxo de trabalho e certamente encontrar dificuldades de operação.
Liberação para fabricação com material chegando atrasado e equipe de usinagem recebendo o que será feito na última hora e jogando a culpa dos problemas para o pessoal lá da “salinha do ar condicionado”!
Faz sentido para você?
Se ainda não saiu, saia de cima do muro! Já passa da hora de mudar a mentalidade ultrapassada que a organização é composta por máquinas e processos operados por humanoides sem motivação.
Incentive para que seja criado um ambiente que atraia profissionais para que possam contribuir através de sua competência profissional e intelectual com autonomia.
Deixe os profissionais trabalharem e dê apoio e suporte, se possível educacional. Ofereça salário, recursos e estruturas onde se sintam satisfeitos para não sair e possam contribuir através de equipes multifuncionais auto gerenciáveis. Incentive para que usem a vantagem competitiva única e individual: a mente.
Não há outro profissional igual ao seu, há melhores ou piores, mas igual ao seu, não! Programe e projete modelos educacionais para aprendizado específicos.
Dica de leitura: Os 6Ds: as seis disciplinas que transformam educação em resultados para o negócio, de Calhoun Wick e outros.
Dê oportunidade para que aprendam algo novo: escola, faculdade, cursos e workshops. Isto não é perda de tempo e gasto, é investimento! Incentive e invista para que eles façam curso em algo específico e avançado, no horário de trabalho ou fora dele, para benefício próprio deles também.
Foque na evolução, em algo novo. Foque na musculatura do cérebro. Mas lembre-se que são dois lados a serem trabalhados: o racional e o emocional.
Não caia na tentação de seguir o modelo que em ferramentaria só o racional é importante. Não! O emocional e criativo também. Ferramenteiro é um artista!
Na fase em que estamos no Brasil, onde educação é limitada e professores não têm bagagem tácita e técnica para consolidar conhecimento técnico (somos jovens no segmento e pouco evoluímos na educação industrial comparado com outras nações), é momento de a iniciativa privada fazer sua parte na formação do profissional que precisa.
Sabe aquele refeitório no fundo, aquele quartinho da bagunça?
Transforme em uma sala de aula confortável e possibilite estudo e discussão sobre sua especialidade e também busque alternativas educacionais fora.
Não há mais tempo de esperar pelo Governo.
Para evoluir é necessário a consciência de que a situação atual, não é atual. Sempre foi assim!
Este contexto político e econômico intrincado e que não favorece o empreendedorismo, sempre existiu e não vai mudar amanhã.
É muito mais fácil, até porque só depende de você, mudar a si próprio entendendo o contexto e necessidades do mercado atual.
Afaste-se um pouco por um tempo, planeje, acredite e invista na educação de seu pessoal.
Máquinas, equipamentos e processos são importantes, mas diferencial, ao utilizar tudo isso, você só encontra no Ser Humano.
Crie um ambiente onde ele sinta prazer em contribuir com sua alma.
Encerro com estas citações antigas, mas ainda são atuais.
Einstein dizia que os problemas não podem ser resolvidos com o mesmo nível de consciência que os criou em primeiro lugar.
Você nunca muda as coisas lutando contra o que já existe. Para mudar alguma coisa, construa um novo modelo que faça com que o modelo atual se torne obsoleto. Richard Buckminter Fuller, do livro Reinventando as Organizações.
O oposto de autonomia é controle.
E, por ocuparem dois polos distintos da bússola comportamental, nos conduzem a destinos diferentes.
O controle leva a conformidade; a autonomia ao empenho. Daniel H. Pink (2010).
O homem é um sistema orgânico, não um sistema mecânico.
A energia recebida (sol, alimento, água etc.) é por ele transformada em manifestações de comportamento (inclusive atividades intelectuais, respostas emocionais e ações observáveis).
Seu comportamento é influenciado pelas relações entre suas características como sistema orgânico (interno) e o meio ambiente (externo).
A criação de tais relações depende da liberação de sua energia de determinadas formas. Não o motivamos, ele é motivado.
Caso contrário, é porque está morto. Esse é o sentido da distinção que o cientista do comportamento faz entre uma teoria orgânica e uma teoria mecânica da natureza humana. MacGregor, Fator humano nas empresas.
Enfim, arregace as mangas e mãos à obra, ou melhor, troque as lentes e mentes à obra!
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Luiz Carlos dos Santos
Gestor de Ferramentaria - 40 anos Passados para suporte ao Presente na construção do Futuro para a Industria de Injeção