A aplicação da simulação no controle da produção de peças estampadas

Atualmente é bastante comum na indústria de manufatura a utilização de soluções computacionais para a avaliação da resistência estrutural de sistemas e componentes, bem como o estudo de seus processos produtivos. Principalmente utilizando-se uma técnica matemática conhecida como simulação pelo Método dos Elementos Finitos (MEF). 

Diversos programas comerciais para a realização destas simulações digitais já são empregados há algumas décadas, tanto para a elaboração de projetos de peças e produtos mais leves, eficientes e baratos quanto para o desenvolvimento detalhado dos diversos processos de manufatura e de seus respectivos meios de produção, antes mesmo que a construção de qualquer ferramental para a fabricação das peças seja iniciada, como mostram as imagens abaixo: 


Figura 1: Exemplos simulações pelo Método dos Elementos Finitos para simulação estrutural, do processo de forjamento e do processo de estampagem de chapas. 

Nos últimos anos diversas áreas da indústria de manufatura se tornaram tão dependentes da tecnologia de simulação pelo MEF que praticamente todas as peças mais críticas em projetos nos setores naval, aeronáutico, automobilístico e de bens de consumo são desenvolvidas utilizando-se softwares de análise estrutural, para garantir que terão o desempenho adequado em operação. 

Da mesma forma, o desenvolvimento dos processos de manufatura e ferramentais para a produção de peças por fundição, forjamento, estampagem, injeção de plásticos e etc... são também praticamente todos desenvolvidos com a utilização do mesmo tipo de sistema, sendo esta uma tecnologia já madura e amplamente disseminada na indústria moderna.

E as aplicações das simulações computacionais não pararam de ser ampliadas nos últimos anos. Inicialmente restrita à avaliação de peças isoladas e identificação de problemas estruturais e de processo mais graves, a abrangência das análises cresceu continuamente, abarcando atualmente os mais diversos setores ligados às engenharias de projeto e de manufatura. 

Contudo, apenas mais recentemente aplicações da simulação por MEF voltadas especificamente às atividades ligadas diretamente à produção se tornaram disponíveis. Este artigo tem como objetivo apresentar uma delas, focada no segmento de manufatura de peças estampadas em chapas metálicas.

A simulação na estampagem de chapas:

Especificamente no segmento da estampagem de chapas metálicas os sistemas de simulação pelo MEF surgiram lá atrás na década de 1990, e foram evoluindo ao longo das décadas seguintes com enormes ganhos em termos de abrangência das análises, rapidez de cálculo e precisão dos resultados. 

Inicialmente utilizados para prever apenas a eventual ocorrência de rupturas ou rugas mais graves nas operações iniciais de repuxo, os sistemas mais avançados disponíveis no mercado entraram na década de 2020 com capacidades muito ampliadas, que vão da estimativa do custo do ferramental à compensação a geometria das ferramentas quanto ao retorno elástico, passando pelo estudo detalhado das operações secundárias, a definição das forças necessárias em cada operação, a avaliação da qualidade superficial das peças finais, a aplicação de métodos de produção mais sofisticados como o hotforming e etc... .

Contudo, até recentemente a aplicação das simulações computacionais se limitava à análise do comportamento da “peça ideal”, que apresentasse condições exatas em termos de propriedades do material, dimensões e etc... conforme especificadas ao se montar a simulação. 

E os processos de estampagem simulados também consistiam igualmente de modelos teóricos, onde todos os parâmetros eram considerados como invariáveis, sendo os resultados obtidos nas simulações representativos do que aconteceria se as condições de trabalho fossem exatamente aquelas adotadas nos modelos de computador. 

Só que na no mundo real a reprodução das condições ideais de forma precisa e estável é impossível, na prática flutuações de diversos parâmetros dentro de certas faixas de tolerância são inevitáveis e até esperadas, ocorrendo devido às propriedades inconstantes das matérias-primas, diferentes condições ambientais durante a produção, influência da mão-de-obra em operações efetuadas manualmente e etc. 

Fatores importantes para a operação adequada das peças e dos ferramentais não são absolutamente constantes, e isso pode fazer com que no dia-a-dia da produção possam surgir problemas que não foram previstos quando da realização das simulações pelo MEF para a concepção e construção das ferramentas. 

A análise das condições de produção fora dos valores nominais utilizados nas simulações pode ser efetuada alterando-se manualmente e de forma independente cada um dos parâmetros julgados mais importantes para o processo. 

Mas além deste ser um procedimento trabalhoso e consumir muito tempo, torna-se bastante difícil avaliar de forma adequada o que pode acontecer quando dois ou mais parâmetros são modificados ao mesmo tempo, o que frequentemente ocorre no mundo real. 

Foi necessário então o desenvolvimento de um novo conceito tecnológico aplicado ao MEF para que este pudesse ser utilizado de forma prática no estudo dos efeitos das flutuações nos valores dos parâmetros que ocorrem na realidade. Este conceito é descrito no próximo segmento deste trabalho.

Simulações determinísticas versus estocásticas:

Na montagem dos modelos de simulação pelo MEF tradicionalmente se definem valores específicos para cada um dos diversos parâmetros que representam as condições de operação da peça ou de execução do processo de manufatura representado. 

No caso específico da estampagem de chapas metálicas, estes parâmetros incluem as propriedades do material, a espessura da chapa, a geometria das ferramentas de conformação, corte e dobra, a posição e geometria dos quebra-rugas, as forças atuantes durante o processo, os coeficientes de atrito e etc.

Muitos destes fatores são definidos por valores numéricos, enquanto outros são descritos por superfícies e linhas geradas em sistemas CAD ou através de ferramentas disponíveis nos próprios softwares de simulação. 

Nas simulações tradicionais, todos estes parâmetros são definidos de forma precisa e unívoca, com apenas um valor para cada parâmetro e geometrias fixas para as linhas e superfícies 3D. E o resultado do cálculo reflete exatamente estas condições de entrada do modelo, por isso tais modelos são chamados de determinísticos. 

Mas para permitir a avaliação dos efeitos das variações destes parâmetros é necessário que eles possam flutuar dentro das suas respectivas faixas de tolerância, de forma a que os resultados das variações possam ser verificados. 

Neste caso os parâmetros são definidos como variáveis que assumem diversos valores dentro de faixas especificadas pelo usuário, as diversas combinações destes valores são aplicadas a várias simulações independentes que depois são combinadas em um só arquivo, onde os resultados obtidos podem então ser analisados utilizando-se avançadas ferramentas estatísticas que permitem um estudo detalhado dos efeitos das variações. 

Este tipo de simulação recebe o nome de estocástica e já foi descrita em detalhes em uma edição anterior desta revista. A imagem abaixo mostra um exemplo típico de sua aplicação:


Figura 2: Resultados obtidos com uma única simulação estocástica, com os valores dos parâmetros nominais e flutuando dentro de suas tolerâncias de variação.

Este tipo de simulação já vem sendo empregado há alguns anos em aplicações diversas, como a otimização do processo de estampagem e a avaliação da sua robustez com relação ao surgimento de problemas como rupturas da chapa, rugas ou deformações dimensionais devido à flutuação de parâmetros como as propriedades do material, o coeficiente de atrito ou a espessura da chapa. 

Mas até bem recentemente o uso destas simulações se encerrava quando as ferramentas entravam em processo de ajuste final e tryout, e a partir daí elas eram enviadas para a estamparia e o controle da produção era feito da forma tradicional, esperando-se que eventuais problemas surgissem e então aplicando-se as medidas necessárias para sua correção baseando-se na experiência prévia e em testes práticos que envolviam mudanças nos ajustes do processo e até modificações na geometria das ferramentas, até que os problemas fossem resolvidos. 

E então esperava-se novamente que eventuais problemas aparecessem, o que eventualmente ocorria devido a novas de diferentes flutuações dos parâmetros mencionados, e o processo era repetido. A imagem a seguir representa esta realidade do controle do processo de produção pelo método tradicional:


Figura 3: Processo tradicional  de controle dos problemas de produção.

Mas as simulações estocásticas passaram a permitir que este ciclo seja quebrado, o que será o tema discutido no próximo item deste artigo.

O uso de simulações estocásticas no controle da produção de peças estampadas:

Os parâmetros que podem afetar a qualidade das peças em um processo de estampagem de chapas são em geral conhecidos, e podem ser divididos em duas categorias: Os parâmetros de ruído, que variam de forma não controlável dentro das tolerâncias especificadas, como a espessura da chapa, as propriedades do material (limite de escoamento, de ruptura e anisotropia) e o coeficiente de atrito (que é influenciado pelo acabamento da chapa, seu revestimento e a quantidade do óleo lubrificante ou protetivo utilizada); e os parâmetros de processo controlados pelo pessoal da produção, como a posição do blank, seu desenho, a força dos sujeitadores e etc.  

Todos estes parâmetros podem ser colocados como variáveis nas simulações estocásticas, e desta forma é possível preparar uma simulação estocástica onde se pode verificar a influência tanto das flutuações dos parâmetros de ruído como as alterações dos que são utilizados pelo pessoal da produção para realizar os ajustes do processo. 

As próximas imagens mostram um exemplo da aplicação de um modelo digital do processo montado através de uma simulação estocástica no controle dos parâmetros da produção:  


Figura 4A: Simulação de referência, com todos os parâmetros em seus valores nominais e a peça sem apresentar defeitos.


Figura 4B: Simulação representando uma combinação de valores dos parâmetros de ruído que levou ao aparecimento de defeitos na peça.


Figura 4C: Simulação representando o processo ajustado para a correção dos defeitos da peça mesmo com os parâmetros de ruído fora de seus valores nominais.

A simulação estocástica que utiliza esta combinação específica de variáveis de ruído e processo recebe o nome de “Mapa de Produção”. Ela permite gerar um arquivo de simulação onde todos os problemas potenciais de produção podem ser não apenas previstos como também as ações necessárias para corrigi-los podem ser avaliadas digitalmente, de forma a se encontrar a melhor combinação de ajustes a serem aplicados na linha de fabricação sem a necessidade de adivinhações ou testes. A imagem a seguir mostra então o comparativo entre um procedimento tradicional de tentativa e erro e a utilização do modelo digital empregando uma simulação estocástica no controle da produção:


Figura 5: Comparativo de caso-exemplo utilizando o gerenciamento tradicional da produção e a aplicação do modelo digital usando uma simulação estocástica (Mapa de Produção), com o resultado desejado atingido logo da primeira vez.


É importante mencionar que a aplicação do Mapa de Produção de forma adequada exige que as simulações sejam preparadas de forma cuidadosa, com todas as precauções necessárias para se obter a máxima acurácia dos resultados de forma a garantir que eles representem da melhor forma possível a realidade. 

Da mesma forma, a construção e o ajuste das ferramentas precisam se guiar pelo que foi efetivamente simulado, e qualquer eventual desvio ao longo do caminho precisa ser registrado e incorporado à simulação do Mapa de Produção, de forma a manter uma boa correlação entre o que foi simulado e o que está sendo de fato aplicado na produção. 

Isso exige uma boa comunicação entre os departamentos de engenharia de produção e manufatura, bem como uma rigorosa disciplina em cada etapa do processo de concepção, projeto, construção e ajuste das ferramentas.

E estas talvez sejam as maiores dificuldades na implantação deste tipo de conceito para o gerenciamento da produção de peças estampadas, pois muitas vezes a comunicação entre os departamentos e empresas envolvidos é difícil e seus interesses conflitantes. 

Uma quantidade razoável de esforço gerencial precisa ser aplicada para garantir que o nível exigido de integração e cuidado sejam obtidos ao longo de toda a cadeia de desenvolvimento das ferramentas que serão empregadas com o seu respectivo Mapa de Produção.

É também bastante interessante perceber que a possibilidade de se prever os eventuais problemas de fabricação em função dos parâmetros de ruído, os quais podem ser medidos no início da linha de produção, e encontrar soluções para corrigi-los ajustando-se diretamente de forma adequada os parâmetros de processo sem a necessidade de uma sucessão de tentativas e erros, o que pode ser automatizado, coloca a simulação do Mapa de Produção em linha com os conceitos mais atuais da indústria 4.0. 

A capacidade de predição do Mapa de Produção pode fornecer as informações necessárias para se corrigir em tempo real os processos de uma fábrica inteligente, capaz de realizar automaticamente os ajustes necessários para garantir a produção contínua de peças com a qualidade adequada mesmo quando fatores não controláveis afetam a linha de fabricação, com a mínima necessidade de interferência humana. 

Claro que isso exige a instalação de sistemas de medição e monitoramento no início da linha de fabricação e o uso de equipamentos dotados de elevado grau de adaptabilidade e inteligência, mas este tipo de sistemas são uma característica do próprio conceito da indústria 4.0.

Conclusão:

Vimos então neste artigo que a evolução dos sistemas de simulação digital pelo Método dos Elementos Finitos nos últimos anos levou ao desenvolvimento de ferramentas muito avançadas para a representação da realidade, não apenas para a avaliação antecipada do comportamento individual de peças e sistemas em serviço, mas também dos seus respectivos processos de fabricação. 

E estes avanços levaram agora à possibilidade de se considerar inclusive as variações não controláveis no mundo real dos parâmetros que afetam os processos produtivos, permitindo levá-las em conta nas simulações digitais. Ao menos particularmente no caso dos processos de conformação de chapas metálicas, com o desenvolvimento do conceito de Mapa de Produção. 

Com isso boa parte das dificuldades encontradas no dia a dia da manufatura de peças estampadas passa a poder ser prevista, tornando possível que ações corretivas sejam tomadas antecipadamente para impedir o surgimento de problemas ao invés de apenas corrigi-los após terem surgido. 

Embora a materialização desta possibilidade na prática ainda exija níveis de cuidado, disciplina e integração pouco comuns na maioria das empresas, seu potencial para a redução de custos e melhoria da qualidade justificam os esforços na implementação das mudanças gerenciais que serão necessárias para que ela seja bem-sucedida. 

E fica aberta a possibilidade de se empregar o Mapa de Produção como a ferramenta de controle das linhas de produção nas fábricas de peças estampadas das indústrias 4.0, a tendência mais moderna do setor de manufatura em termos mundiais, garantindo assim a produtividade e a competitividade deste segmento em um futuro já não tão distante assim.

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